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MARCELO COELHO
Razões para não gostar de Dufy
A começar pelo próprio nome,
delicado e breve, Raoul Dufy tem
tudo para ser um mestre menor,
uma aparição fugaz na história
da pintura moderna. A exposição
de Dufy, no MAM, não contraria
esta impressão.
Aqueles quadros coloridos mostram uma vida ágil e feliz. Tudo é
superfície e vibração, tudo é rapidinho, leve, agudo, prazeroso, como se o estereótipo do francês de
boina e bigode, humorista e sutil,
encontrasse sua tradução em obra
de arte.
O resultado não é ruim, longe
disso. Quantas cores! O azul nunca foi tão profundo como nessas
telas. Mas tal felicidade virtuosística inspira pensamentos melancólicos. Tenho a impressão de que
Dufy tomou a sério a famosa
idéia de Stendhal, que afirmava
ser a beleza "uma promessa de felicidade". O fato de a beleza ser
uma promessa, não a felicidade
plena, inspirou o modernismo,
por um lado, e o kitsch, do lado
oposto.
Pois o kitsch pretendeu envolver
o espectador numa ilusão de felicidade pura. Já o modernismo investiu na fealdade, na distorção,
no drama, como contraposto verista e extremado a uma "arte"
ainda comprometida com o belo.
Entre o modernismo de Picasso
e o kitsch dos cartões postais, podemos situar o impressionismo.
Havia, claramente, uma intenção
de beleza nas paisagens de Monet
e nos retratos de Renoir: sentia-se
a pulverização da luz, a instabilidade da perspectiva, os toques do
pincel servindo ao mesmo tempo
como avanço tecnológico e celebração da harmonia no mundo
vivido.
A beleza, no impressionismo,
surgia como "arte avançada". As
muitas versões que a catedral de
Ruão era capaz de assumir nas telas de Monet comprovavam uma
verdade científica -a de que a
luz tem cor- e simultaneamente
celebravam, com dúbio, turvo
prazer, o que há de efêmero em
nossas visões.
É uma arte crepuscular e celebratória. Comemorou-se, no impressionismo, o progresso da civilização européia. Isto exigia tanto
refinamento quanto autocrítica,
tanto a percepção da instabilidade do instante quanto a alegria
diante do fato de o instante ser
passageiro -o que vale, afinal,
como definição do prazer.
Com razão, Goethe marcou o
momento da danação de Fausto
quando ele viesse a pedir que o
instante feliz se imobilizasse para
sempre. Foi aí -justamente o
momento em que Fausto contemplava trabalhadores numa grande obra urbana- que o demônio
se regozijou vendo o herói descontente, tomado pela "ternura pelas
coisas", que seria um dos pecados
de Kant.
Essa ternura pelas coisas deveria ser reduzida a pó na estética
moderna. A beleza do aparente
foi objeto de crítica implacável.
Ternura pelas coisas e, mais gravemente, ternura pela arte foram
os pecados de Dufy.
Seu projeto técnico é claro: reintroduzir o desenho e a tinta preta
no impressionismo. Há argumentos em favor desse propósito. Negando o negro e o risco, os impressionistas aboliam as certezas do
mundo, optavam por um sonho
transitório, irreal. Dufy achou-se
capaz de incutir mais realismo e
cérebro (isto é, desenho) na revolução impressionista.
O problema é que Dufy não era
revolucionário, nem mesmo sarcástico e crítico como Toulouse-Lautrec, outro desenhista na pintura. A inquietação de Dufy expressa apenas o temor do burguês
diante da revolução. Sua felicidade é postiça. Não que a felicidade
impressionista fosse real. Mas eles
percebiam, obscuramente, o
quanto a verdade do instantâneo
era também a denúncia do imediatismo moderno.
Dufy quis fazer a crítica do impressionismo, regrediu a Watteau
e Fragonard.
Mas o esquematismo, a rapidez
esquizóide desses mestres do século 18, funciona quase como símbolo de um mundo que terminava
mal. O aspecto de anotação e de
esboço que vemos nas pinturas de
Fragonard contrasta com outra
opção estética, mais coerente e
burguesa, que é a de Chardin, fixada magicamente numa panela
ou numa réstia de alho. Dignificar objetos domésticos foi a versão
burguesa da mesma ternura de
que eu estava falando acima:
criou-se uma epopéia do objeto.
Dramatizar a aparência, como
fizeram Watteau e Fragonard,
serve como documento de época,
mas Dufy não teve a sorte de anteceder a uma revolução.
Chagall tirou dos prazeres de
Dufy o mecanismo da alegria perseguida. Delaunay descobriu e
"brutalizou" o prazer que Dufy
manifestava com mais elegância.
Guignard fez de Dufy um álibi
mineiro ou uma utopia mineira,
não sabemos.
Há algo de frágil, de falsa promessa, nas pinturas de Dufy. Algo
quebradiço.
Um argumento a favor de Dufy:
ele entendeu que a arte moderna
seria o exercício da mais pura liberdade. A rapidez de seu traço e
a efusão de suas cores atestam a
conquista estética obtida. Mas ele
estava errado: modernismo sempre foi sinônimo de rigor, de novas regras contra as antigas. Paradoxalmente, numa época pós-moderna ele parece antiquado e
ingênuo. Não admitimos a leveza
de Dufy. Talvez seja um defeito
nosso.
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