São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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CRÍTICA DRAMATURGIA

Coleção de luxo reúne peças de resistência da obra de Beckett

"Dias Felizes", "Esperando Godot" e "Fim de Partida" têm acréscimo de correspondência do dramaturgo


A PUBLICAÇÃO COROA O ESFORÇO DE FÁBIO DE SOUZA ANDRADE NA TRADUÇÃO E ATUALIZAÇÃO DA OBRA DO AUTOR IRLANDÊS NO BRASIL


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um lance editorial que consagra o teatro de Samuel Beckett em língua portuguesa. A publicação pela Cosac Naify de "Dias Felizes" (1961), ao lado da republicação de "Fim de Partida" (1957) e de "Esperando Godot" (1952) coroa o esforço de Fábio de Souza Andrade na tradução e atualização da obra do autor irlandês no Brasil.
A luxuosa coleção, que chega às livrarias dando um tratamento gráfico homogêneo aos três livros, reedita as traduções de "Fim de Partida" e de "Esperando Godot", publicadas pela mesma editora, respectivamente em 2002 e 2005, e acrescenta a elas a terceira joia da coroa inaugural do teatro beckettiano, "Dias Felizes". A peça é o embrião da passagem de Samuel Beckett da condição de dramaturgo para a de encenador de seus próprios textos.
Se ele ainda escreve para outros encenarem, já aparece nítida no uso acentuado das rubricas a perspectiva de construir a cena apenas com pequenos e precisos gestos dos atuantes.

PARALISIA FÍSICA
A protagonista, Winnie, aparece no primeiro ato enterrada em um montículo de grama até a cintura. Seus únicos movimentos são o do tronco e o dos braços, que manipulam objetos pessoais em uma bolsa de compras e se ocupam em ajeitar um ridículo chapéu entre os cabelos.
Vez ou outra ela torce a cabeça para olhar o companheiro Willie que, invisível ao público, rasteja por detrás do monte. No segundo ato a personagem aparece enterrada até o pescoço e, como no primeiro, suas falas são sempre intermitentes, demarcadas por interrupções constantes que as indicações de pausa, apostas pelo autor, estabelecem.
Não há ação ou discurso possível a serem desenvolvidos. Além da paralisia física, a personagem aparece esvaziada de consistência ficcional. Como diz Beckett, citado por Martha Fehsenfeld, "é uma criatura interrompida".
O depoimento da atriz e crítica que acompanhou como assistente a montagem inglesa de 1979, dirigida pelo próprio autor, e encarnou a personagem de Winnie alguns anos depois, é uma das preciosidades que integram o livro.

PEÇAS DE RESISTÊNCIA
A outra é a correspondência entre Beckett e o diretor norte-americano Allan Schneider, nos dois meses que antecedem a estreia mundial da peça, nos Estados Unidos.
Na sua última carta Beckett, no auge da ansiedade com a estreia, confessa ao amigo: "A reação do pessoal do ramo vai me ajudar a decidir se é mesmo um texto dramático ou uma aberração total, e se faz sentido tentar levar adiante esse tipo de teatro". Fazia, e a partir daí ele não só radicalizou sua escritura como passou a dirigir suas peças.
Depois de ter se focado na trilogia de romances de Beckett -"Molloy", "Malone Morre" e "O Inominável"- e produzido um primeiro e definitivo estudo sobre ela, "O Silêncio Possível" (ed. Ateliê, 2001), o crítico Fábio de Souza Andrade completa com "Dias Felizes" a cuidadosa edição do que chama de "peças de resistência" da dramaturgia de autor irlandês.
O editor oferece introduções criteriosas das três peças, esmiuçando de perspectivas originais suas estruturas dramáticas e permitindo ao leitor, no cruzamento dessas miradas, situar-se não só frente àquela dramaturgia como às novelas anteriores e outros textos posteriores.
Cada um dos volumes traz as fotos de algumas montagens históricas -inclusive daquelas dirigidas por Beckett, como as de "Fim de Partida", em 1967, e de "Esperando Godot", em 1975, ambas no Schiller Theater de Berlim, e a de "Dias Felizes", em 1979, no Royal Court Theatre, em Londres -e uma sessão com "sugestões de leitura", abarcando a bibliografia de e sobre Beckett em diversas línguas e, principalmente, no país. É, de fato, um trabalho exemplar no resgate do autor de três clássicos do teatro do século 20.


DIAS FELIZES

AUTOR Samuel Beckett
TRADUÇÃO Fábio de Souza Andrade
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 56 (136 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

ESPERANDO GODOT

QUANTO R$ 66 (246 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

FIM DE PARTIDA

QUANTO R$ 56 (162 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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