São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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Valsa do adeus

Rose Prouser - 16.jun.2001/Reuters
Nancy Wilson


Uma das maiores cantoras do jazz americano, Nancy Wilson diz à Folha que show em SP será o último de sua vida

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aquela voz macia e carnuda sussurra direto no seu tímpano direito que vai parar de se mostrar nos palcos por aí. E você retruca um hesitante "tem certeza?". "Sim, definitivamente decidido."
Uma das maiores cantoras do jazz ainda em atividade, a americana Nancy Wilson escolheu o Brasil para encerrar seus 52 anos de carreira. E o sabiá de Ohio resolveu assoprar essa novidade, "en pasant", no meio de uma entrevista à Folha, por telefone.
Miss Wilson, 67, diz que chega. Já carregou sua voz por mais aeroportos do que a maioria dos aviões em atividade conheceu, já colecionou Maracanãs de aplausos, já se penteou em mais camarins do que muita Giselle Bündchen por aí. Cansou.
É em São Paulo, no dia 5 de novembro próximo, em um palco que o Tim Festival monta em pleno Jockey Club, a sua anunciada valsa de adeus.
E por que São Paulo? "Não escolhi o Brasil por nenhum motivo específico, embora goste daí. É que depois de mais de meio século fazendo a mesma coisa chega a hora de abandonar a estrada."
Então será um show muito especial para a sra., não, miss Wilson? E a voz "dry martini" de Nancy Wilson devolve um "não" -e depois um riso sutil. "Não estou fazendo deste show nada especial. Vou fazer o que eu faço."
Não é pouco o que faz -e o que fez. Wilson encaixaria sem muitas dificuldades pelo menos uns cinco álbuns no panteão da melhor cantoria americana. Ela já teria conseguido isso mesmo que só tivesse gravado o disco "Nancy Wilson/Cannonball Adderley". E o trabalho com o mestre do sax alto Adderley (o Cristóvão Colombo de Wilson) é de 1961.
Outra dobradinha inesquecível da mesma época foi com o pianista e cantor inglês George Shearing, registrada em "The Swingin's Mutual". O selo mais prestigiado de jazz do planeta, Blue Note, escolheu nos anos 90 esse álbum como um dos 25 melhores que já lançou.
Não é nenhum desses o favorito de demoiselle Wilson. "O de que mais gosto é "Lush Life"." O disco, que tem interpretações "imexíveis" de temas como "Midnight Sun", "Sunny" e da própria "Lush Life", foi lançado em 1967 pela sua gravadora de sempre, a Capitol Records. Por esse selo, só um grupo de rapazes ingleses chamados de Beatles vendeu mais discos nos anos 60 do que a nossa diva.
Diva, aliás, é um termo que você não deve abanar como um leque em frente da cantora e ex-estrela da televisão (ela teve durante mais de uma década o programa de variedades "The Nancy Wilson Show"). "Não gosto da palavra diva. Antigamente ela tinha conotações negativas, de alguém temperamental. Até entendo que os jovens usem o termo de outro modo. E para uma cantora de 20 anos talvez seja interessante ser chamada de diva. Mas para uma senhora às voltas com seus 70 não pega muito bem."
Miss Wilson não tem acompanhado de perto a explosão de novas "divas". Jane Monheit, Diana Krall, Norah Jones? "Não conheço. Das cantoras jovens gosto de Dianne Reeves", afirma (e diga-se que Reeves já tem quase 50 anos). E com as divas do passado, como Sarah Vaughan ou Dinah Washinton, a sra. se identifica? "Ah, sim, eu me sinto como "the baby of the old school" (a mascote da Velha Guarda)."
Embora se alinhe nessa "school" predominantemente jazzística, a cantora de Ohio, radicada na Califórnia desde 1960, se diferencia justamente das outras por passar a borracha nas fronteiras entre soul, pop, r&b e o jazz.
"Eu simplesmente canto canções. O nome do estilo depende do ouvido do ouvinte. Escolho letras bonitas, conto histórias, os outros é que definam que nome isso tem", expressa com algo de "tabasco" na voz.
No seu último show, entre nós, ela decidiu "contar histórias" mais jazzísticas. Demoiselle Wilson, que estará escoltada pelo trio Llew Matthews (piano), Dwayne Dolphin (baixo) e Jamey Haddad (bateria), diz que apresentará repertório baseado no seu disco mais recente, "R.S.V.P - Rare Songs Very Special".
Recém-lançado, o álbum reúne "canções de que sempre gostei, mas que nunca tinha gravado". Entre elas, estão temas de sumidades como Duke Ellington e Irving Berlin e uma canção feita para o filme "Dois Córregos" por Ivan Lins (as grandes cantoras americanas insistem), que toca teclado no disco em questão e pode fazer uma participação especial no show de Wilson.
A cantora, que não vem ao Brasil há mais de 20 anos ("estive aí algumas tantas vezes nos anos 60 e 70"), também apresentará no Tim (em noite com um imperdível da "jovem guarda", o pianista Brad Mehldau) algumas de suas "incontornáveis", como "Tell Me the Truth", "Peace of Mind" e "Guess Who I Saw Today".
A cerimônia do adeus pode (e deveria) terminar com seu hit "How Glad I Am" (quão satisfeita estou). Aí então, satisfeita, Miss Wilson recolhe as salvas de palmas (salvas de palmas para ela), vai a mais um hotel e a Cumbica. Então, a garota de 67 anos vai pra Califórnia, viver a vida sem muitas ondas. A voz macia e carnuda de Nancy Wilson vai descansar.

TIM FESTIVAL. Quando: Nancy Wilson se apresenta no palco Club no dia 5/11, às 21h, em noite com o pianista Brad Mehldau e o violonista Chico Pinheiro. Onde: Jockey Clube de São Paulo (av. Lineu de Paula Machado, 1.263). Quanto: R$ 120. Onde comprar: tels. 0/xx/11/ 6846-6000 ou 03007896846; pela internet: www.ticketmaster.com.br.


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