|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOÃO PEREIRA COUTINHO
O regresso da besta
Se um governo moderado não se preocupa com os imoderados, os extremistas irão tratar do assunto
ATERRO EM Londres no meio
de uma tempestade. Não falo
do clima (também). Falo do
ambiente político, com Jack Straw,
líder da Câmara dos Comuns, a escrever artigo incendiário nos jornais. Para Straw, um crítico insuspeito de Bush e dos "cartoons" da
Dinamarca (lembram?), seria importante que as mulheres muçulmanas que usam véu destapassem o
rosto quando falam oficialmente
com ele. Straw não é tarado. É prudente. Para Straw, o uso do véu dificulta o diálogo, contribui para o isolamento de uma comunidade e
transforma a Grã-Bretanha numa
perigosa agregação de estranhos.
Ruth Kelly, ministra do governo
Blair, também entrou na dança. Para Kelly, é importante que as autoridades locais estejam atentas a fenômenos de extremismo religioso
-nas escolas, nos bairros, nas universidades- informando as forças
policiais. Raciocínio de Kelly: se um
governo moderado não se preocupa
com os imoderados, os partidos extremistas tratarão do assunto.
As declarações de Straw e Kelly
despertaram o coro do costume. O
governo é racista. O governo não valoriza a diversidade. O governo limita-se a demonizar uma fé, como antigamente se demonizava uma raça.
As acusações são interessantes (do
ponto de vista cômico, claro), mas
são insuficientes para lidar com a
evidência: sim, o islamismo cresce
na Europa; sim, a retórica multicultural é insuficiente para proteger as
democracias liberais; e, sim, a extrema direita não está a desaparecer do
mapa. Pelo contrário: de votação em
votação, ela cresce em toda a parte.
Cresce na Alemanha, o berço da
besta, onde o Partido Nacional Democrático obteve 7,4% dos votos em
eleições regionais. A ambição, agora,
são as eleições gerais de 2009, à imagem do que sucede na vizinha Áustria, onde os extremistas já partilham 15% das intenções de voto.
Cresce também no Leste, onde a
extrema direita grega, romena, sérvia e búlgara, ao destilar ódio à
União Européia e a qualquer raça
que não seja culturalmente pura,
avança nas eleições locais e promete
entendimentos e coalizações para as
eleições nacionais.
E, se dúvidas houvesse sobre a sobrevivência de Le Pen, o espetáculo
dos carros incendiados nos subúrbios de Paris e a incapacidade de
Chirac para "integrar" imigrantes
magrebinos chega e sobra para deixar uma certeza: em maio de 2007,
Le Pen estará no segundo turno das
presidenciais francesas.
Naturalmente que os partidos de
extrema direita crescem por motivos vários: uma relativa estagnação
econômica no espaço europeu; nostalgias ideológicas passadas, que
palpitam nas gerações mais velhas; e
o medo arcaico perante o outro, sobretudo se o outro fala língua estranha e "rouba" emprego escasso. Mas
existe uma plataforma comum que
os une: a velha xenofobia, agravada
por problemas sociais e culturais
que a imigração maciça trouxe para
a Europa -e que os "partidos do
centro", algemados pelo politicamente correto, são incapazes de enfrentar, muito menos resolver.
Fazer de conta que a realidade não
existe pode alegrar os simples. Mas
será a receita para engordar a besta.
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: "Não quero fama, só quero competir" Índice
|