São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

32ª MOSTRA DE SP

Crítica/"Sonata de Tóquio"

Kiyoshi Kurosawa assina obra-prima

Um dos principais nomes do cinema japonês contemporâneo, diretor filma o cotidiano de família em processo de desintegração

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Hoje um dos nomes de maior repercussão internacional do cinema japonês contemporâneo, Kiyoshi Kurosawa emergiu em meio à onda do J-Horror, os filmes de fantasmagorias na linha de "O Chamado", que depois ganharam o mundo via refilmagens hollywoodianas com mais sustos e menos estilo.
Aparições, possessões, alterações psíquicas e uma atração incontrolável por situações apocalípticas habitam títulos como "Cure" e "Pulse", sem que isso autorize limitar o cinema de Kurosawa ao campo restrito de um gênero.
Em "Sonata de Tóquio", seu filme mais recente e o primeiro dele a ser apresentado numa mostra, Kurosawa afasta-se, aparentemente, do universo das assombrações, filma o cotidiano familiar e assina uma obra-prima.
O núcleo temático de "Sonata de Tóquio" é semelhante ao visto em duas ficções francesas relativamente recentes: "A Agenda" e "O Adversário". Em ambos, os protagonistas são ajustados chefes de família submetidos às turbulências de uma demissão. Kurosawa aborda a mesma premissa, mas não segue nem o viés sociológico de "A Agenda" nem o drama psicológico de "O Adversário".
O filme parte da situação de crise individual e familiar para expandir seus efeitos até patamares ambiciosos. Ao se descolar da zona do cinema de gênero, Kurosawa avança rumo a perfis amarguíssimos da condição humana contemporânea, cuja receita ocidental parece bem guardada apenas pelo gênio de Cronenberg.
Entre intermináveis filas de recolocação, entrevistas "nonsense" e perambulações por espaços da cidade associados à sobrevida do lúmpen, o senhor Sasaki passa a tênue linha que separa o humano do inumano e que costuma passar imperceptível em nossas experiências.
Kurosawa evita a solução simplória do discurso como fórmula de crítica social. Sua saída audaciosa consiste em deslocar o personagem central para o terreno do cômico, aliviando o espectador do peso da questão, enquanto prepara o bote fatal que nos empurrará para um abismo emocional na parte final do filme.
Neste passo ganham peso as trajetórias da senhora Sasaki e do pequeno Kenji, ambas à deriva quando a figura do pai se ausenta e passa a flutuar.
Por meio dos processos de indeterminações nos quais lança seus personagens, o diretor nos coloca cara a cara com sua visão pessimista.
Enquanto personagens reagem como zumbis aos fracassos das tentativas para se tornar alguém, o mundo segue apático tanto às microtragédias quanto ao macronaufrágio.
E, se algum lugar parece ainda protegido da desesperança, este continua sendo a arte, único onde a beleza nos mantém a salvo do horror.

SONATA DE TÓQUIO
Quando: amanhã, às 14h, no Espaço Unibanco Pompéia 1; seg., às 19h40, no Cinesesc
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



Texto Anterior: Lanterninhas
Próximo Texto: Análise: Retrospectiva lembra faces de Bergman
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.