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A minha vida não é de putaria
Ney Matogrosso diz à Folha que gosta de pouca gente; aos 68, o cantor lança o passional "Beijo Bandido" e afirma não estar apaixonado
Daryan Dornelles/Folha Imagem
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Ney Matogrosso, 68, que lança "Beijo Bandido', posa na sala de estar de seu apartamento, no Leblon (RJ), na semana passada
MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Ney Matogrosso é tão fluente em cima do palco quanto na
frente de uma câmera fotográfica. O cantor tem domínio
completo sobre o próprio corpo e parece adivinhar como ele
está "resultando" do outro lado, aos olhos do público ou
dentro da objetiva da máquina.
"Vocês não vão usar Photoshop nessas fotos, vão?", perguntou, enquanto posava para
esta reportagem. "Detesto as
"correções" que certas revistas
fazem na cara das pessoas, deixam todo mundo desfigurado,
parecendo cirurgia plástica."
Aos inacreditáveis 68 anos,
Ney não quer esconder suas
-poucas- rugas. Elas aparecem, sem retoques, na foto da
capa de "Beijo Bandido", álbum que acaba de lançar.
Se comparado ao anterior
"Inclassificáveis", show em
que Ney retomava com ímpeto
o teor sexual de seus trabalhos
mais pop, o novo disco soa quase como o de outro artista.
É aquele Ney que surge de
vez em quando, mais focado no
canto do que na cena -como
aconteceu em 1990, quando dividiu o palco com Raphael Rabello no espetáculo "À Flor da
Pele", ou em 2002, quando releu a obra de Cartola.
Aqui, as canções vêm dos
universos mais variados. De
Chico Buarque e Edu Lobo a
Kid Abelha, de Roberto e Erasmo Carlos a Astor Piazzolla, de
Jacob do Bandolim a Cazuza.
Universos de Ney, todos eles.
Leia, a seguir, a entrevista.
FOLHA - Quando lançou "Ney Matogrosso Interpreta Cartola", você
disse que se sentia mais nu cantando esse repertório "sério" do que
quando expõe o corpo no palco.
"Beijo Bandido" também é assim?
NEY MATOGROSSO- Sim. Fazer
esse show é muito mais difícil,
me exige muito mais. Tenho de
estar com a voz tinindo e não
tem como enganar.
FOLHA - Você vem de "Inclassificáveis", show de carga sexual máxima. "Beijo..." é muito mais plácido,
menos hormonal. Como o corpo
reage a esse revezamento?
NEY - Não fico mais exposto
ao sexo na minha vida particular quando faço um show como
"Inclassificáveis". O exercício
da minha sexualidade independe do palco. Claro que o
que faço [em shows mais sexuais] provoca uma reação nas
pessoas -e elas me solicitam
mais. Mas eu não necessariamente correspondo, já que não
faço isso com a intenção de sair
dali com alguém. Quando estou liberando aquilo, não faço
para alguém em especial. Estou liberando para todos.
FOLHA - Então essa explosão sexual fica restrita ao palco?
NEY - Sim. Ali, essa sexualidade também bate excessiva para
mim. Eu me excito no palco.
Não fico de pau duro, mas sinto que estou excitado com
aquilo tudo que eu mesmo provoco. E com a reação do público. Isso excita meus sentidos.
FOLHA - Você vem produzindo
muito, faz lançamentos anuais nesses tempos de indústria fonográfica
falida. O que gera esse movimento?
NEY - Já quis entender esse
ímpeto. Será que eu estou tentando aproveitar o momento
em que ainda estou no domínio pleno da minha voz? Porque sei que a natureza, a idade
e o tempo vão se encarregar de
me fazer perder esse domínio.
Tudo fica flácido. E o que faz
você cantar são músculos
-que, todos sabemos, a velhice
derruba. Esse negócio é tão
louco que eu não paro. Acredita que já tenho o repertório do
próximo disco? Não posso
conter, é um fluxo. Não fico pedindo nem chamando. Vem.
Antes de eu terminar um o outro já está. Antecede. Isso me
deixa tranquilo com relação a
uma continuidade.
FOLHA - Em "Beijo Bandido", você
regrava "As Ilhas", primeira canção
lançada depois de sua saída dos Secos & Molhados. Você costuma revisitar os próprios discos?
NEY - Eu me revisitei neste
momento por causa da caixa
["Camaleão", que reeditou em
CD sua obra solo lançada originalmente entre 1975 e 1988].
Dei uma ouvida em tudo para
entender o contexto daquela
história. Porque eu fui fazendo
esses discos e, depois de prontos, nunca mais ouvi.
FOLHA - E o que achou? Valeu como psicanálise?
NEY - Não valeu como psicanálise porque o que canto não significa o que estou vivendo.
FOLHA - Nunca foi assim?
NEY - Nunca. É um exercício
do intérprete. Busco um sentido no inconsciente, na minha
memória. Não é minha vida.
Tem gente que diz que precisa
estar apaixonado até para existir. Eu não. Esse disco mesmo é
o exercício de alguém apaixonado e eu não necessariamente
estou.
Quando uma música cai na
minha mão, a primeira coisa
que penso é: se eu fosse um
compositor, teria escrito essas
palavras? Esse é o meu critério.
FOLHA - A letra, não a música?
NEY - A letra, as palavras.
FOLHA - É por meio delas que você
costura canções em princípio díspares em seu disco? É nas palavras que
Kid Abelha e Chico Buarque, Cazuza
e Piazzolla encontram afinidades?
NEY - Penso sempre em termos de roteiro. Tem de ter uma
conversa, um assunto. Mesmo
que não seja uma sequência lógica. O que importa é a impressão que aquilo, quando colocado junto, vai causar nas pessoas
-e não de onde veio cada música, individualmente.
FOLHA - Há alguns cantores da novíssima geração -Leo Cavalcanti,
Filipe Catto- que são influenciados
explicitamente pelo seu trabalho.
Você tem acompanhado?
NEY - Não muito. Ouvi Filipe
Catto, mas nunca o vi ao vivo.
Mas eu já me via claramente
[como influência] no movimento de rock dos anos 80. Me
vi no RPM, no Cazuza. Fui uma
alavanca para aquela geração.
Eles tinham uma atitude de
desrespeito ao instituído e de
desacato à autoridade que
quem deflagrou fui eu.
FOLHA - Você fala de uma atitude
artística, certo? Porque, fora do palco, ninguém tem a menor notícia do
que se passa na sua vida...
NEY - E não vão ouvir nunca.
Não me interessa essa exposição e nem observar quem se
expõe. Acho cafona. Estão apelando quando fazem isso. Estamos falando de estrelas, né?
São pessoas que têm carreira,
têm trabalho. Então, o talento
devia segurar. Passo na banca e
vejo aquela quantidade de revistas falando de casou e separou, penso: que pobreza!
FOLHA - É preciso esforço para
manter essa privacidade?
NEY - Imagina... Tenho uma
vida normal, vou ao cinema, ao
teatro, saio com meus amigos.
Gosto de pouca gente, não de
turmona. E adoro ficar em casa. As pessoas vêm aqui e a gente se diverte. Quando é verão,
ficamos nessa piscina jogados,
falando loucuras. Tem uma
sauna ali, quem quer faz. Mas
não tem putaria. Meus amigos
que vêm aqui são meus amigos
mesmo. Tenho um lado que é
completamente o oposto do
que imaginam de mim. A minha vida não é de putaria.
O jornalista MARCUS PRETO viajou a convite da
gravadora EMI
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