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Sevcenko pára a montanha-russa no loop
France Presse
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Manifestação contra a globalização em Praga, um dos temas tratados no livro |
Historiador ataca em duas frentes, com dois novos livros: diz
que é preciso conter a tecnologia antes que o homem se afunde
no abismo e lança manifesto a favor da reconstrução do Brasil
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ALCINO LEITE NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se você for visitar o historiador
Nicolau Sevcenko, a casa é aquela
mesma, na esquina, com a antiga
arquitetura intacta, grades baixas,
janelas escancaradas e uma selva
de folhagens na entrada.
Não é esta, que trocou o jardim
pela garagem. Nem aquela outra,
que parece fortaleza, com seu
portão de aço e as janelas vedadas.
Sevcenko acaba de publicar
"Pindorama Revisitada - Cultura
e Sociedade em Tempos de Virada" (ed. Fundação Peirópolis) e
lança em breve "Suspensos no
Loop da Montanha-Russa - A
Corrida do Século 20 para o 21",
dentro da coleção "Virando Séculos", da Companhia das Letras.
Não há como evitar os dois livros. São atuais, urgentes, educativos, sedutores.
O primeiro reúne ensaios sobre
a história do Brasil e de São Paulo
e traz um surpreendente manifesto a favor da reconstrução do país
-tarefa coletiva que teria um
monumento simbólico formado
por cem árvores de buritis!
O segundo é um manual precioso para entender o presente, que
para Sevcenko é como uma montanha-russa no auge caótico do
"loop", o rodopio aterrorizante
em torno do nada. Talvez seja
também um dos primeiros livros
brasileiros a refletir sobre as manifestações contra a globalização
iniciadas em Seattle (EUA).
Nos dois livros, o tema é a materialidade do tempo. O tempo que
passou e a promessa de Brasil que
não se cumpriu -no primeiro. A
necessidade de enfrentar a irracionalidade da aceleração tecnológica e corrigir as injustiças históricas mundiais -no segundo.
A mãe russa de Sevcenko costumava amarrar sua mão a fim de
estancar sua maldita inclinação a
canhoto. Não adiantou. Ele permaneceu "gauche" e, na casa antiga do bairro Belenzinho, ainda
desenvolveu a mania de escrever
coisas obrigatórias para leitores
que não desprezam o futuro.
Folha - No "Manifesto para o Século 21", o sr. imagina um prazo de
cem anos para reparar as distorções históricas brasileiras e reconstruir o entusiasmo no país. Não é
um tempo muito longo?
Nicolau Sevcenko - Claro que é.
Mas a questão que eu tento colocar ali é justamente a questão do
tempo, que tem ficado tão imaterial nessa corrida dos implementos técnicos que tornam a vida tão
acelerada.
É importante ter diante de nós
um projeto que possa ser pautado
no tempo, porque só assim ele pode ser cobrado contra o tempo.
Daí, a metáfora do jardim dos
buritis, por meio do qual se pudesse cobrar um programa de
desmontagem das consequências
do colonialismo e do escravismo.
Você teria uma pauta de mudanças que seria focada prioritariamente nas mazelas desse legado histórico, responsável por tudo o que de pior o país apresenta
nos planos econômico, político,
social, cultural e ambiental.
Folha - Se o sr. fosse elaborar essa
pauta de mudanças, quais seriam
as primeiras medidas?
Sevcenko - Em primeiro lugar,
um juízo crítico apurado do peso
da tradição colonial e escravista
que ainda recai sobre as pessoas.
A tendência é nós sermos educados da perspectiva de um presente dos países mais ricos e do
estilo de vida que as pessoas desses países apresentam. Tendemos
a tomar esse modelo como sendo
o estilo de vida padrão e nos colocamos em alinhamento com ele.
Mas a situação é completamente diversa. Aquele estilo de vida só
pode acontecer por conta de um
processo de exploração que deixou a parte maior da humanidade
do planeta numa situação de
enorme distanciamento daqueles
mesmos benefícios.
Então, seria preciso que se
atuasse no Brasil em paralelo com
organismos internacionais independentes, no sentido de formar
uma maré de opinião que forçasse
os países mais desenvolvidos a recompor um equilíbrio que em
grande parte eles foram os responsáveis por romper -e de cujo
rompimento eles foram sempre
os maiores beneficiários.
Folha - A questão de dar tempo
ao tempo também é dominante em
"Suspensos no Loop da Montanha-Russa". Por que é preciso desacelerar a montanha-russa do presente?
Sevcenko - A montanha-russa
foi uma metáfora de fácil compreensão que criei para a questão
da aceleração tecnológica.
A microeletrônica veio intensificar de tal modo essa aceleração
que mesmo as pessoas já educadas a terem uma adaptação contínua se sentiram de repente como
que perdidas num mundo que se
modificou completamente.
Nesse processo de aceleração, o
que houve foi um esgarçamento
das relações sociais e comunitárias. As tecnologias acabaram incentivando o fechamento de cada
um, com seu computador, seu
fax, numa pequena tecnosfera,
que é uma cápsula tecnológica
que o desvincula do restante do
mundo e o faz num tempo que é o
agora, num lugar que é o aqui.
É crucial puxar o breque, interromper essa fixação no presente e
conseguir pensar criticamente.
Folha - O sr. reflete insistentemente sobre as manifestações de
Seattle em "Suspensos...". Qual a
importância desse movimento?
Sevcenko - Esses movimentos
que a gente viu tomar as ruas de
uma maneira teatral, fortemente
simbólica, em Seattle, Toronto,
Washington e Praga, são a projeção na praça pública desse grande
nexo de pessoas de todo o mundo
que convergem para uma crítica
que pretende recolocar o homem
no centro do processo histórico.
Sua questão central é confrontar o modo pelo qual o chamado
processo da globalização produziu uma concentração crítica de
riqueza em alguns pólos isolados
e uma enorme expansão da desigualdade, da exploração e da depredação ambiental no planeta.
Esse personagem de Seattle veio
para ficar e ele vai se tornar cada
vez mais presente e substantivo.
Livro: Pindorama Revisitada - Cultura e
Sociedade em Tempos de Virada
Autor: Nicolau Sevcenko
Editora: Fundação Peirópolis
Quanto: R$ 21 (120 págs.)
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