São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

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Millôr

Aos 82, Millôr Fernandes acaba de traduzir "Celestina", peça espanhola do século 15, e relança cinco livros, incluindo parceria com Angeli e Jaguar

Ricardo Moraes/Folha Imagem
Millôr, que reedita clássicos de seu humor, no estúdio, no Rio


MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O senhor da foto acima, com quase 70 anos de carreira, cultiva algumas obsessões. Machado de Assis, mulheres, Academia Brasileira de Letras, literatura, humor, teatro e tradução, não necessariamente nessa ordem. E frescobol, do qual afirma ser o criador, no posto 4, em Copacabana, nos anos 50.
Aos 82, Millôr está relançando cinco livros que reúnem alguns clássicos da sua coleção de trocadilhos, aforismas, ditos, motes, elucubrações e devaneios. No conjunto, há pela primeira vez um livro seu ilustrado por Jaguar, outro "titã" do extinto "Pasquim". Outro lançamento seu é ilustrado por Angeli, neófito entre a velha turma de Ipanema, cujo trabalho Millôr admira ("é muito bom, já está maduro").
Millôr continua na ativa e polivalente, logo depois de um pit stop no hospital ("tive um negócio e não conseguiram descobrir nada"), produzindo em suas múltiplas atividades, como a de desenhista e tradutor. Continua detestando rótulos, como a de ser chamado de artista gráfico ("sou Millôr, pô"). Autor de pérolas da tradução (como a famosa "the cow went to the swamp/a vaca foi para o brejo'), respeitado tradutor de Shakespeare e de Molière (Nelson Rodrigues dizia que seu Molière era melhor que o original), acaba de verter para o português "Celestina", uma peça ibérica de 1499, de Fernando de Rojas, precursora de "Dom Quixote" ("traduzi com muita dificuldade, mas a peça é interessantíssima").
Autodidata, diz que existem dois tipos de tradução ("isso não se ensina na escola"). A científica, "em que você pode sacrificar o estilo, mas não a veracidade". E a tradução de literatura. "Essa não, foda-se a autenticidade, se está bom em português, danou-se", ensina.
Quando fala de literatura, logo ataca Machado de Assis. "É uma "viadagem" impressionante. O Bentinho é apaixonado pelo Escobar, é evidente", comenta sobre "Dom Casmurro" (e viadagem para Millôr é com "i" mesmo). E continua. "Acho que no dia em que não houver mais esquerda, acaba pelo menos metade da literatura nordestina. Essa coisa de "Fogo Morto"... Tudo bobagem."
Autor de mais de 50 livros, 15 peças (incluindo a histórica "Liberdade, Liberdade", em co-autoria com Flávio Rangel) e 120 traduções que vão de Ibsen a Bertolt Brecht, Millôr já foi sondado por membros da Academia Brasileira de Letras, mas não ameaça se candidatar à instituição. "Acho tão ridículo aquela coisa. Não tem nenhum sentido para mim", assevera.
Entre suas tarefas cotidianas, além do "saite" abastecido diariamente no UOL, se dedica aos prazeres da vida ("costumo dizer que o Vinicius de Moraes é um amador").
Possuidor de mais de 300 livros de referência, ainda defende os alfarrábios. "Livro não enguiça, inclusive te indica a passagem do tempo." Uma de suas preciosidades é uma história do humor em 12 volumes, que ganhou de Carmem Miranda em 1948 ("Vinicius era cônsul em Los Angeles. Íamos para a casa da Carmem Miranda, ficávamos nadando, eu e o César Lattes, que tinha acabado de descobrir o méson pi").
No dia em que recebeu a Folha em seu estúdio de Ipanema, um de seus desafetos ocupava interinamente o cargo de presidente da República, o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP). O presidente da Câmara o processou por causa de críticas ao projeto de lei que punia o uso de estrangeirismos ("O negócio é de uma imbecilidade absoluta. Eu escrevi que ele tinha feito uma idioletice, que é a linguagem pessoal. Teve gente que achou que eu estava chamando de idiota").
Millôr não está entusiasmado com o atual governo. "Eles [do governo] são muito primários." Aliás, com nenhum governo ("minha posição é absolutamente libertária"). E conclui com uma máxima milloriana: "Como diz o Millôr Fernandes, livre pensar é só pensar".


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