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Análise/romances policiais
Autores vinculam ambiente acadêmico às tramas de mistério
SANDRA REIMÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não se sabe se o livro 2
da "Poética" de Aristóteles nunca foi escrito,
conforme indicado no livro 1,
ou se esse manuscrito perdeu-se no tempo. A partir dessa indagação real, um medievalista
europeu construiu uma trama
fictícia envolvendo venenos fatais e assassinatos em série que
explicaria o desaparecimento
desse texto em um monastério
da Itália medieval. O erudito
europeu: Umberto Eco. O romance: "O Nome da Rosa".
Esse procedimento de construir ficções, no caso, romances
policiais, a partir de dados da
pesquisa acadêmica, ou a partir
do ambiente universitário,
também se faz presente na literatura policial brasileira.
Ana Arruda Callado, Reginaldo Prandi e Ada Pellegrini são
professores universitários brasileiros com produção acadêmica consolidada em suas
áreas: jornalismo, sociologia
das religiões e direito. Os três
são também escritores de ficção e publicaram, recentemente, romances policiais, em que a
vida universitária e/ou acadêmica está presente, em alguma
instância, como elemento
construtivo da narrativa.
Na história de Ana Arruda
Callado, "Uma Aula de Matar"
(Rocco, 2003), o mundo universitário aparece como espaço
e uma das motivações possíveis
para o assassinato investigado:
a vítima é um professor de uma
instituição pública e faria um
concurso para professor titular. Os outros candidatos à vaga
são, evidentemente, suspeitos.
Em "Morte nos Búzios", de
Reginaldo Prandi (Cia. das Letras, 2006), o autor faz com que
seu tema de pesquisa, o candomblé, seja o espaço onde se
desenrola a trama e também o
próprio motivo do(s) crime(s).
No que diz respeito a transformar o objeto de pesquisa
acadêmica no espaço onde se
desenvolve a trama e também
no motivo do crime ficcional,
Prandi tem pelo menos um antecessor nacional recente:
Isaias Pessotti, psicólogo e estudioso da história da ciência,
que localizou seus três romances ("Aqueles Cães Malditos de
Arquelau", "O Manuscrito de
Mediavilla" e "A Lua da Verdade") no fim da Idade Média e
início da Moderna e enfocou temas vinculados a descobertas e
posturas científicas.
A intrincada trama policial
construída por Ada Pellegrini
intitula-se "Morte na USP"
(Manole, 2006) e envolve um
serial killer fictício na Faculdade de Direito e em outros setores da USP, em 1971.
O âmbito acadêmico de atuação da autora está presente na
escolha do local em que se desenvolve a trama, nas atuações
e nos nomes dos personagens
secundários (muitos deles reconhecíveis) e na construção
das duas personagens centrais:
o detetive Otero e o assassino.
Ambos travam batalhas jurídicas com argumentos, contra-argumentos e blefes legais.
Tradição
Esses três romances policiais
filiam-se, grosso modo, à tradição do romance enigma clássico. Mas com inovação: assim,
por exemplo, no texto de Callado, o detetive é uma personagem bastante secundária, e
suas funções acabam sendo desempenhadas por outra personagem; no texto de Prandi, o
detetive Tiago Paixão é adepto
de procedimentos científicos,
mas é também um intuitivo.
Destaque-se que, na construção do texto de "Morte na
USP", há um jogo bem construído com o leitor: a autora insere, sem aviso prévio, mas com
marcas claras, no meio de uma
narrativa em terceira pessoa,
trechos do discurso mental do
assassino.
Cabe ao leitor decifrar as falas do assassino e tentar desvendar seus futuros procedimentos. Duas personagens
chegam a tematizar esse procedimento narrativo de dar voz,
de tentar ouvir a psique do assassino. Após um longo relato
de um suspeito, um dos investigadores diz: "Fiquei arrepiado
com o depoimento", e a psiquiatra responde: "É natural.
Perscrutar a mente humana
pode ser doloroso".
Muitos já tiveram a vontade
de "eliminar" um colega de trabalho ou de ver "explodir" seu
objeto de estudo. Esses escritores o fizeram. Ficcionalmente.
SANDRA REIMÃO é professora da Universidade
Metodista de São Paulo e pesquisadora do
CNPq. Autora de "O Romance Policial Brasileiro" (Zahar)
UMA AULA DE MATAR
Autora: Ana Arruda Callado
Editora: Rocco
Quanto: R$ 26,50 (160 págs.)
MORTE NOS BÚZIOS
Autor: Reginaldo Prandi
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 34 (248 págs.)
MORTE NA USP
Autor: Ada Pellegrini
Editora: Manole
Quanto: R$ 30 (190 págs.)
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