São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2007

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BIA ABRAMO

Blog é mais imaginativo que "Duas Caras"

O blog é peça poderosa de marketing; não há dia em que novela e autor não estejam na mídia

SE SE PUDESSE ler o blog que Aguinaldo Silva criou para defender "Duas Caras" como ficção, teríamos uma obra mais interessante do que a novela que vem sendo exibida.
Vejamos: o autor-personagem do blog tem uma vida que é uma verdadeira loucura. Agredido na rua por petistas enfurecidas, achincalhado por correspondentes desaforados, ofendido por jornalistas inescrupulosos, pois não é que, ainda por cima, o céu lhe cai sobre a cabeça?
Tudo isso porque o tal escritor, outrora jornalista detentor de prêmios e estrela da imprensa alternativa, escreve uma novela que incomoda, ao que parece, os poderosos. No blog, a novela de sua autoria é incrivelmente corajosa, do tipo mata a cobra e mostra o pau. Além de oferecer a interpretação definitiva sobre a vida na favela, a obra deste autor -"fino, culto e educado", adjetivos que, em sua infinita modéstia, se auto-atribui- teria a mais lúcida análise sobre as relações raciais no Brasil.
E isso tudo só seria possível por que essa espécie de gênio desafia, como ninguém mais teria peito de fazê-lo, a praga do politicamente correto, uma invenção diabólica que só serve para impedir que as pessoas igualmente finas, cultas e educadas como ele digam o que lhes vier à cabeça.
Mas, está claro, não se pode ler o blog dessa maneira, por mais que a vivacidade das diatribes de Aguinaldo Silva contra seus detratores sugira que há uma boa dose de exagero imaginativo naquilo que escreve. O blog é uma peça auxiliar poderosa no marketing de "Duas Caras" -desde que estreou, não há um dia em que a novela e seu autor não estejam na mídia, por uma ou outra razão.
Enquanto isso, na novela, se há excesso, é de agenda: é preciso fazer a defesa do ensino superior privado, é preciso mostrar como figuras que antes estavam, digamos, na esquerda devem se curvar ao pragmatismo, é preciso desancar as ONGs, mostrar a dislexia etc. etc. Deve ser, de fato, exaustivo dar conta de todo esse programa de verdades a serem exibidas na novela e, depois, defendidas no blog -tão cansativo que talvez não sobre lá muito espaço para criar a história.
Tome-se a favela da Portelinha, por exemplo. No afã declarado de oferecer uma alternativa às representações mais sombrias e recentes da favela e de seus habitantes que vêm sobretudo do cinema, o autor criou um microcosmo risonho e franco, mas devidamente disciplinado por uma espécie de "coronel" nordestino disfarçado de líder comunitário. Ora, o que faz Juvenal Antena, além de esbravejar e bufar capítulo após capítulo?


biabramo.tv@uol.com.br

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