São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2004

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LIVROS

ANTOLOGIA

"Aberto Está o Inferno" reúne 33 contos de Antonio Carlos Viana

Textos mostram caminhos do reino das trevas e do Paraíso

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sem o reino das trevas, não existiria a literatura. "Aberto Está o Inferno", novo livro de Antonio Carlos Viana, está aí para, mais uma vez, "aquecer" a hipótese. Trata-se da primeira reunião de contos inéditos do autor desde 1993. Em 1999, a editora Companhia das Letras publicou "O Meio do Mundo e Outros Contos", que juntou diversos textos de suas três obras anteriores.
As 33 peças deste novo volume mantêm a "austera economia de meios" que o escritor Paulo Henriques Britto já apontara no prefácio da antologia: "Cada conto desenvolve uma única situação, lidando com um número reduzido de personagens; a ação é sempre rigidamente contida em estreitos limites de tempo e espaço".
Ainda assim, alguns se destacam do conjunto. "Ana Frágua", por exemplo, narra com uma mistura certeira de delicadeza e secura a iniciação sexual de um menino com uma prostituta já envelhecida e feia ("só não pode balançar muito que hoje arranquei três dentes").
Aqui, ao contrário do que seria de esperar, a experiência dela e a expectativa dele se combinam para criar um daqueles momentos em que a vida e o sublime se encontram: "Ele se achou pela primeira vez senhor da vida e, quando ela disse que ele tinha um pau muito gostoso e que ia dar muita alegria a muitas mulheres no mundo, o pescoço do menino se empertigou de vez, num orgulho tão grande que ele até se esqueceu de deixar o dinheiro e ela nem reclamou".

Melancolia
Uma variação mais melancólica desse instante definitivo de conhecimento do mundo dos homens acontece também em "A Linda Lili". A moça mais bonita de Jabutiana, dona de uma voz maravilhosa, "já com 20 anos e cara de menina (...), nunca tinha sangrado". Motivo de preocupação de toda a família, que não hesita em consultar médiuns, videntes e "até macumbeiros", um dia subitamente o problema se resolve. Mas aí Lili não consegue mais parar de sangrar. E não consegue mais cantar. Aparece uma ambulância: "Adeus festa, adeus cânticos, adeus Lili".
Ao vê-la, após o retorno da temporada no hospital, o narrador, irmão mais novo da moça, constata que ela "nunca mais seria a mesma". O desfecho do conto é tão bom que não é o caso de entregá-lo aqui, mas se pode dizer que, depois de uma conversa, quando se abraçam, tristes, o menino descobre surpreso que também ele nunca mais seria o mesmo.
Uma massagem "prânica", causadora de uma descontrolada explosão de pontos luminosos, pode igualmente servir de instrumento de revelação, como em "Ananda Daya". A desinibida "terapeuta" faz Seu Matias vislumbrar um "sentimento estranho, um começo de alegria, esperança de alguma coisa que ele ainda não sabia definir".
Como se percebe pelos breves exemplos elencados, se o Inferno está aberto, infere-se logicamente que o mesmo precisa acontecer com o Paraíso, nem que seja para ocasionais vislumbres (afinal, sem isso, conseqüentemente, a literatura também não existe...). Os contos de Antonio Carlos Viana deixam a relação clara - e o mais bacana é que isso não tem nada a ver com religião nenhuma.


Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (ed. Globo) e organizador de "Memórias do Presente - 100 Entrevistas do Mais!" (Publifolha).

Aberto Está o Inferno
   
Autor: Antonio Carlos Viana
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (160 págs.)


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