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LIVROS
ANTOLOGIA
"Aberto Está o Inferno" reúne 33 contos de Antonio Carlos Viana
Textos mostram caminhos do reino das trevas e do Paraíso
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sem o reino das trevas, não
existiria a literatura. "Aberto
Está o Inferno", novo livro de Antonio Carlos Viana, está aí para,
mais uma vez, "aquecer" a hipótese. Trata-se da primeira reunião
de contos inéditos do autor desde
1993. Em 1999, a editora Companhia das Letras publicou "O Meio
do Mundo e Outros Contos", que
juntou diversos textos de suas três
obras anteriores.
As 33 peças deste novo volume
mantêm a "austera economia de
meios" que o escritor Paulo
Henriques Britto já apontara no
prefácio da antologia: "Cada conto desenvolve uma única situação,
lidando com um número reduzido de personagens; a ação é sempre rigidamente contida em estreitos limites de tempo e espaço".
Ainda assim, alguns se destacam do conjunto. "Ana Frágua",
por exemplo, narra com uma
mistura certeira de delicadeza e
secura a iniciação sexual de um
menino com uma prostituta já
envelhecida e feia ("só não pode
balançar muito que hoje arranquei três dentes").
Aqui, ao contrário do que seria
de esperar, a experiência dela e a
expectativa dele se combinam para criar um daqueles momentos
em que a vida e o sublime se encontram: "Ele se achou pela primeira vez senhor da vida e, quando ela disse que ele tinha um pau
muito gostoso e que ia dar muita
alegria a muitas mulheres no
mundo, o pescoço do menino se
empertigou de vez, num orgulho
tão grande que ele até se esqueceu
de deixar o dinheiro e ela nem reclamou".
Melancolia
Uma variação mais melancólica
desse instante definitivo de conhecimento do mundo dos homens acontece também em "A
Linda Lili". A moça mais bonita
de Jabutiana, dona de uma voz
maravilhosa, "já com 20 anos e
cara de menina (...), nunca tinha
sangrado". Motivo de preocupação de toda a família, que não hesita em consultar médiuns, videntes e "até macumbeiros", um dia
subitamente o problema se resolve. Mas aí Lili não consegue mais
parar de sangrar. E não consegue
mais cantar. Aparece uma ambulância: "Adeus festa, adeus cânticos, adeus Lili".
Ao vê-la, após o retorno da temporada no hospital, o narrador, irmão mais novo da moça, constata
que ela "nunca mais seria a mesma". O desfecho do conto é tão
bom que não é o caso de entregá-lo aqui, mas se pode dizer que, depois de uma conversa, quando se
abraçam, tristes, o menino descobre surpreso que também ele
nunca mais seria o mesmo.
Uma massagem "prânica", causadora de uma descontrolada explosão de pontos luminosos, pode igualmente servir de instrumento de revelação, como em
"Ananda Daya". A desinibida "terapeuta" faz Seu Matias vislumbrar um "sentimento estranho,
um começo de alegria, esperança
de alguma coisa que ele ainda não
sabia definir".
Como se percebe pelos breves
exemplos elencados, se o Inferno
está aberto, infere-se logicamente
que o mesmo precisa acontecer
com o Paraíso, nem que seja para
ocasionais vislumbres (afinal,
sem isso, conseqüentemente, a literatura também não existe...). Os
contos de Antonio Carlos Viana
deixam a relação clara - e o mais
bacana é que isso não tem nada a
ver com religião nenhuma.
Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (ed. Globo) e organizador de
"Memórias do Presente - 100 Entrevistas
do Mais!" (Publifolha).
Aberto Está o Inferno
Autor: Antonio Carlos Viana
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (160 págs.)
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