São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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FERREIRA GULLAR

Futurologia sensata

Dado que Lula será candidato à reeleição em 2006, independentemente do que afirme ou negue, a questão que agora se coloca é: será reeleito?
Essa é a pergunta que já muita gente se faz, na medida em que, a juízo de alguns, o presidente não sofreu, em certos setores da opinião pública, desgaste tão grande quanto era de se esperar. De fato, raramente ou, talvez, nunca, na história da República, terá havido escândalo de tais proporções, envolvendo pessoas diretamente ligadas ao chefe da nação. Apesar disso, as pesquisas de opinião até pouco indicavam que Lula, em 2006, derrotaria, no primeiro turno, todos os candidatos em potencial, de Serra a Alckmin, de Fernando Henrique a Garotinho; perderia, no entanto, no segundo turno, mas somente para José Serra. Só a última pesquisa indicou a vitória de Serra no primeiro turno.
Esses dados induzem, naturalmente, muitos analistas a concluir que Lula continua um forte candidato à reeleição em 2006, mesmo porque, com o passar dos meses, a tendência será que se atenue o escândalo responsável pelo desgaste do governo e o desprestígio do presidente. Além disso, não se deve subestimar a capacidade que ele tem, hoje, de influir também sobre as pessoas de menor instrução ou menos atentas ao que realmente está ocorrendo.
Não se pode ignorar, tampouco, que, se ele nunca desceu do palanque, desde que tomou posse na Presidência da República, não será agora que vai descer de lá. Muito pelo contrário, desde que estourou o escândalo do "mensalão", tem feito vários discursos por semana, tentando de um lado desmoralizar a atuação das CPIs e, de outro, afirmar que seu governo é o melhor que já houve em toda a história do Brasil. Embora os analistas dêem os devidos descontos a essa atuação do presidente-candidato, não resta dúvida de que ela influirá nas eleições do ano que vem. A conclusão a que se chega, à primeira vista, é que Lula tem muita chance de ser reeleito.
Também admito que chances ele tem, mas não creio que sejam tantas quanto julgam alguns. A favor de Lula, ainda acrescentaria a ampliação do projeto Bolsa Família, que, até as eleições, deve beneficiar quase 30 milhões de pessoas. Ainda assim, penso que suas chances são menores do que esses dados parecem indicar. Sabem por quê?
Vou ver se consigo ser claro nesta tentativa de futurologia. Um dos fatores que mais pesariam na reeleição de Lula seria exatamente esses milhões de pessoas que a Bolsa Família atende. Mas não se pode ignorar que uma boa parte deles não vota e muitos não votarão em Lula, conforme indicam as pesquisas. Isso não é difícil de entender, já que, nos grotões, quem aparece como autor da dádiva é o prefeito, o vereador, o deputado, que nem sempre apóiam Lula. Mas o ponto fundamental é que o governo de Lula foi uma decepção. Escrevi, faz algum tempo, nesta coluna, que um dos fatores decisivos para a eleição de Lula em 2002 foi o sentimento de culpa da classe média por havê-lo rejeitado três vezes seguidas. Em face do desgaste do governo de Fernando Henrique, que se refletiu na candidatura de José Serra, muitos se perguntaram por que não dar a Lula uma oportunidade, só porque se tratava de um homem do povo, que fala errado? Assim, votar em Lula, naquele momento, teve para a classe média o significado de um gesto simbólico de superação de um preconceito, de expiar um pecado de orgulho. Lula foi eleito por quase 53 milhões de votos e o país exultou com esse ato sublimatório. O próprio Fernando Henrique expressou isso ao destacar a significação de entregar a presidência do país a um líder operário.
O líder tomou posse e não governou. Nenhum projeto importante propôs ao Congresso nem nada de significativo realizou. A única coisa que se admite ter dado certo foi a política econômica herdada do governo anterior, abalada agora pela queda do PIB. O Bolsa Família, que nada tem de novo, resultou num projeto populista sem o sentido social do Bolsa Escola. Em suma, o que efetivamente marcou o governo de Lula, além da inoperância, foi a corrupção que atingiu a direção do PT e alguns dos mais altos auxiliares do presidente da República. Por que então reelegê-lo?
Sei, evidentemente, que muita água ainda passará debaixo da ponte e que Lula e seu pessoal tudo farão para apagar a nódoa que sujou o candidato, seu governo e seu partido. Lançarão mão até do argumento hilariante de que o governo Lula foi vítima de uma conspiração de direita. Dirão que nada ficou provado contra ele e seus aliados. Mas uma coisa não conseguirão fazer: apresentar Lula em 2006 como o candidato da esperança. Restaria a alternativa de apresentá-lo como o presidente que cumpriu com o que prometeu, mas também isso será impraticável pois o que ele realizou foi muito pouco.
O povo só vota em quem represente a continuidade de um bom governo ou a esperança de um governo melhor. Lula já não representa nem uma coisa nem outra. Por isso acho que ele dificilmente será reeleito. É o que consigo prever, usando de bom senso. Agora, certeza mesmo, só jogando búzio.


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