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FERREIRA GULLAR
Futurologia sensata
Dado que Lula será candidato à reeleição em 2006,
independentemente do que afirme ou negue, a questão que agora
se coloca é: será reeleito?
Essa é a pergunta que já muita
gente se faz, na medida em que, a
juízo de alguns, o presidente não
sofreu, em certos setores da opinião pública, desgaste tão grande
quanto era de se esperar. De fato,
raramente ou, talvez, nunca, na
história da República, terá havido escândalo de tais proporções,
envolvendo pessoas diretamente
ligadas ao chefe da nação. Apesar
disso, as pesquisas de opinião até
pouco indicavam que Lula, em
2006, derrotaria, no primeiro turno, todos os candidatos em potencial, de Serra a Alckmin, de Fernando Henrique a Garotinho;
perderia, no entanto, no segundo
turno, mas somente para José Serra. Só a última pesquisa indicou a
vitória de Serra no primeiro turno.
Esses dados induzem, naturalmente, muitos analistas a concluir que Lula continua um forte
candidato à reeleição em 2006,
mesmo porque, com o passar dos
meses, a tendência será que se
atenue o escândalo responsável
pelo desgaste do governo e o desprestígio do presidente. Além disso, não se deve subestimar a capacidade que ele tem, hoje, de influir
também sobre as pessoas de menor instrução ou menos atentas
ao que realmente está ocorrendo.
Não se pode ignorar, tampouco,
que, se ele nunca desceu do palanque, desde que tomou posse na
Presidência da República, não será agora que vai descer de lá.
Muito pelo contrário, desde que
estourou o escândalo do "mensalão", tem feito vários discursos
por semana, tentando de um lado
desmoralizar a atuação das CPIs
e, de outro, afirmar que seu governo é o melhor que já houve em
toda a história do Brasil. Embora
os analistas dêem os devidos descontos a essa atuação do presidente-candidato, não resta dúvida de que ela influirá nas eleições
do ano que vem. A conclusão a
que se chega, à primeira vista, é
que Lula tem muita chance de ser
reeleito.
Também admito que chances
ele tem, mas não creio que sejam
tantas quanto julgam alguns. A
favor de Lula, ainda acrescentaria a ampliação do projeto Bolsa
Família, que, até as eleições, deve
beneficiar quase 30 milhões de
pessoas. Ainda assim, penso que
suas chances são menores do que
esses dados parecem indicar. Sabem por quê?
Vou ver se consigo ser claro nesta tentativa de futurologia. Um
dos fatores que mais pesariam na
reeleição de Lula seria exatamente esses milhões de pessoas que a
Bolsa Família atende. Mas não se
pode ignorar que uma boa parte
deles não vota e muitos não votarão em Lula, conforme indicam
as pesquisas. Isso não é difícil de
entender, já que, nos grotões,
quem aparece como autor da dádiva é o prefeito, o vereador, o deputado, que nem sempre apóiam
Lula. Mas o ponto fundamental é
que o governo de Lula foi uma decepção. Escrevi, faz algum tempo,
nesta coluna, que um dos fatores
decisivos para a eleição de Lula
em 2002 foi o sentimento de culpa
da classe média por havê-lo rejeitado três vezes seguidas. Em face
do desgaste do governo de Fernando Henrique, que se refletiu
na candidatura de José Serra,
muitos se perguntaram por que
não dar a Lula uma oportunidade, só porque se tratava de um homem do povo, que fala errado?
Assim, votar em Lula, naquele
momento, teve para a classe média o significado de um gesto simbólico de superação de um preconceito, de expiar um pecado de
orgulho. Lula foi eleito por quase
53 milhões de votos e o país exultou com esse ato sublimatório. O
próprio Fernando Henrique expressou isso ao destacar a significação de entregar a presidência
do país a um líder operário.
O líder tomou posse e não governou. Nenhum projeto importante propôs ao Congresso nem
nada de significativo realizou. A
única coisa que se admite ter dado certo foi a política econômica
herdada do governo anterior,
abalada agora pela queda do PIB.
O Bolsa Família, que nada tem de
novo, resultou num projeto populista sem o sentido social do Bolsa
Escola. Em suma, o que efetivamente marcou o governo de Lula,
além da inoperância, foi a corrupção que atingiu a direção do
PT e alguns dos mais altos auxiliares do presidente da República.
Por que então reelegê-lo?
Sei, evidentemente, que muita
água ainda passará debaixo da
ponte e que Lula e seu pessoal tudo farão para apagar a nódoa
que sujou o candidato, seu governo e seu partido. Lançarão mão
até do argumento hilariante de
que o governo Lula foi vítima de
uma conspiração de direita. Dirão que nada ficou provado contra ele e seus aliados. Mas uma
coisa não conseguirão fazer: apresentar Lula em 2006 como o candidato da esperança. Restaria a
alternativa de apresentá-lo como
o presidente que cumpriu com o
que prometeu, mas também isso
será impraticável pois o que ele
realizou foi muito pouco.
O povo só vota em quem represente a continuidade de um bom
governo ou a esperança de um governo melhor. Lula já não representa nem uma coisa nem outra.
Por isso acho que ele dificilmente
será reeleito. É o que consigo prever, usando de bom senso. Agora,
certeza mesmo, só jogando búzio.
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