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GUILHERME WISNIK
Shoppings na contramão
Tudo à nossa volta vai se convertendo em shopping: aeroportos, estações, hospitais e museus
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É RECORRENTE na história do
Brasil o fato de vivermos atrasados em relação aos "países
centrais". Um exemplo conhecido é
o "barroco mineiro", que florescia
entre as montanhas de Ouro Preto
enquanto a Europa já era neoclássica havia cem anos. Defasagens que,
no plano da cultura, não deixaram
de ser vantajosas, favorecendo nossas "singularidades". No entanto,
como considerar essa mesma "vantagem do atraso" no caso de processos econômicos e urbanísticos? Refiro-me ao protagonismo dos shopping centers nas cidades.
Pois, enquanto nos Estados Unidos ele decresce drasticamente desde os anos
90, momento em que se passou a falar na "morte do "mall'", aqui os
shoppings vivem seu auge, praticamente dobrando a cada cinco anos
desde 1980 e se consolidando como
uma das formas mais rentáveis de
investimento.
A pesquisa "Guide to Shopping",
desenvolvida pela Harvard Design
School (ed. Taschen, 2001, R$ 193),
descreve cenários desoladores à beira das auto-estradas americanas: cemitérios de "malls", carcaças decrépitas com enormes estacionamentos vazios, "dinossauros" incapazes de competir com o sistema de compras digital. Produtos da era do automóvel e da geladeira, que permitiram fácil transporte e estocagem de produtos, os grandes centros varejistas são hoje um modelo em decadência, padecendo do mesmo ciclo
de obsolescência estrutural que produziu o seu "boom" há 50 anos. No
caso dos shoppings, com o agravante
de serem construções inicialmente
baratas, mas com custos de manutenção muito altos.
Já no Brasil a indústria do shopping mantém grande vitalidade, tendo suas vendas representado, como
informa a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), quase
20% do faturamento de todo o varejo nacional. Processo que é facilmente perceptível nessas semanas
que antecedem o Natal, bem como
nas recentes ampliações de shoppings que já eram grandes (Plaza
Sul, Morumbi etc.).
O que explica esse descompasso?
O atraso na generalização do comércio virtual no Brasil? O fato de aqui
os shoppings não serem suburbanos, mas quistos em áreas nobres da
cidade, desempenhando ainda um
papel de "passeio público" em que se
pode até, em alguns casos, circular
com o seu cãozinho de estimação?
De qualquer maneira, o epitáfio do
shopping parece decretado. O que
significa a morte de uma determinada tipologia: o encapsulamento do
comércio na forma de uma minicidade, na longa tradição do bazar árabe ou das galerias comerciais européias. Em contrapartida, tudo à nossa volta vai se convertendo em shopping: aeroportos, estações, hospitais, museus. E mesmo pelo celular somos abordados por serviços de telemarketing "convidando-nos" a
comprar. O que nos faz lembrar que
o mercado sempre teve um papel estruturante na constituição das cidades, seja na ágora grega ou nas portas das muralhas medievais. Mas
que, com a mercantilização da vida,
vai deixando de ser um pólo agregador de pessoas em um espaço comum e ritual, tornando-se um princípio radical de desterritorialização.
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