São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

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GUILHERME WISNIK

Shoppings na contramão


Tudo à nossa volta vai se convertendo em shopping: aeroportos, estações, hospitais e museus

É RECORRENTE na história do Brasil o fato de vivermos atrasados em relação aos "países centrais". Um exemplo conhecido é o "barroco mineiro", que florescia entre as montanhas de Ouro Preto enquanto a Europa já era neoclássica havia cem anos. Defasagens que, no plano da cultura, não deixaram de ser vantajosas, favorecendo nossas "singularidades". No entanto, como considerar essa mesma "vantagem do atraso" no caso de processos econômicos e urbanísticos? Refiro-me ao protagonismo dos shopping centers nas cidades.
Pois, enquanto nos Estados Unidos ele decresce drasticamente desde os anos 90, momento em que se passou a falar na "morte do "mall'", aqui os shoppings vivem seu auge, praticamente dobrando a cada cinco anos desde 1980 e se consolidando como uma das formas mais rentáveis de investimento.
A pesquisa "Guide to Shopping", desenvolvida pela Harvard Design School (ed. Taschen, 2001, R$ 193), descreve cenários desoladores à beira das auto-estradas americanas: cemitérios de "malls", carcaças decrépitas com enormes estacionamentos vazios, "dinossauros" incapazes de competir com o sistema de compras digital. Produtos da era do automóvel e da geladeira, que permitiram fácil transporte e estocagem de produtos, os grandes centros varejistas são hoje um modelo em decadência, padecendo do mesmo ciclo de obsolescência estrutural que produziu o seu "boom" há 50 anos. No caso dos shoppings, com o agravante de serem construções inicialmente baratas, mas com custos de manutenção muito altos.
Já no Brasil a indústria do shopping mantém grande vitalidade, tendo suas vendas representado, como informa a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), quase 20% do faturamento de todo o varejo nacional. Processo que é facilmente perceptível nessas semanas que antecedem o Natal, bem como nas recentes ampliações de shoppings que já eram grandes (Plaza Sul, Morumbi etc.).
O que explica esse descompasso? O atraso na generalização do comércio virtual no Brasil? O fato de aqui os shoppings não serem suburbanos, mas quistos em áreas nobres da cidade, desempenhando ainda um papel de "passeio público" em que se pode até, em alguns casos, circular com o seu cãozinho de estimação? De qualquer maneira, o epitáfio do shopping parece decretado. O que significa a morte de uma determinada tipologia: o encapsulamento do comércio na forma de uma minicidade, na longa tradição do bazar árabe ou das galerias comerciais européias. Em contrapartida, tudo à nossa volta vai se convertendo em shopping: aeroportos, estações, hospitais, museus. E mesmo pelo celular somos abordados por serviços de telemarketing "convidando-nos" a comprar. O que nos faz lembrar que o mercado sempre teve um papel estruturante na constituição das cidades, seja na ágora grega ou nas portas das muralhas medievais. Mas que, com a mercantilização da vida, vai deixando de ser um pólo agregador de pessoas em um espaço comum e ritual, tornando-se um princípio radical de desterritorialização.


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