|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/erudito
Salmaso ilumina fim de ano da Osesp
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Já é a terceira vez que a
Osesp recebe a Banda Mantiqueira para o último concerto
da temporada, que é também
gravado ao vivo e vira disco.
Em 2002, foi só a Banda; em
2004, os 14 virtuoses mais a
cantora Luciana Souza; e agora
Mônica Salmaso, encerrando,
ela também, uma temporada
gloriosa, e gloriosamente exibindo os sete meses do bebê na
barriga.
O próprio maestro Neschling
falou com orgulho, na quinta-feira, dessas empreitadas de
"crossover". Mas o termo soa
ainda mais desajeitado que de
hábito nesse caso. Tendo em
vista a qualidade das canções e
a inserção que elas têm na nossa cultura, sem falar no engenho arrojado desses arranjos,
feitos sob encomenda para a
ocasião, talvez o melhor fosse
simplesmente falar de música
brasileira, ponto. (Isso inclui o
arranjo de Nelson Ayres para
"Uno", tango de Mariano Mores.)
Veja-se o caso de "Beijo Partido" (1980), a estrambótica
canção de Toninho Horta,
apresentada aqui numa recriação de Alexandre Mihanovich.
Começa com a melodia em
uníssono nas flautas e violoncelos e vai passando por uma
sucessão de repetições contrastantes, até terminar com harmonias que parecem memórias
fantásticas de Richard Strauss
no interior de Minas.
Ou as belezas delicadamente
contundentes do arranjo de
Proveta -o grande maestro da
Mantiqueira, regendo tudo de
dentro com seu clarinete e seu
sax- para "Beatriz" (1982), de
Edu Lobo e Chico Buarque, que
Mônica Salmaso cantou fazendo valer ao máximo o timbre
agudo da voz.
Cada vez mais a soprano com
jeito de contralto gosta de mostrar essas notas agudas. E o arranjo de André Mehmari para
"Eu Te Amo" (1980), de Tom
Jobim e Chico Buarque, partiu
do baixo cromático da famosa
ária de morte da Rainha Dido,
na ópera "Dido and Aeneas" de
Purcell (1659-95), alegorizando
motivos até chegar às alturas
do "Ah, se já perdemos a noção
da hora...", que revela a voz, de
súbito, para depois ir caindo,
lenta e retrato-em-branco-e-pretamente até as profundezas
do amor que acabou.
Cantar, para Mônica, virou
mesmo uma arte do ar: do pouco ar, do mínimo necessário para o máximo de expressão. E
também da prosódia (ajuste
entre palavras e música), da escansão (pronúncia silábica), da
agógica (acelerações e retardos). Exemplo: "me explica
COM que CA-ra eu vou sa-IR",
a frase acelerando e desacelerando, sofrida e contida.
Ainda bem que tudo isso vai
virar disco. Não só pelo prazer
de ouvir de novo, mas também
porque corrigirá os problemas
do som ao vivo: a amplificação
da voz, em especial, deixava a
desejar, seja por certo mascaramento do timbre, seja pelo volume às vezes baixo, que escondia a cantora na orquestra.
Quem não se deixa esconder,
nem daria, é o Proveta, cultuado antiguru, na primeira fileira
da Banda, no meio da Osesp.
Seu rosto escutando o próprio
arranjo de "Beatriz" era a imagem da felicidade, perdido, sem
jamais estar perdido, no meio
da música. Muita música: Noel
Rosa, Tom Zé, João Donato,
Caetano, Gordurinha, Guinga
(e arranjadores como Roberto
Sion, Laerte de Freitas, Chiquinho de Moares, Edson Alves).
Quem não quer se perder com
ele, com eles, com ela, no meio
disso tudo?
OSESP, MÔNICA SALMASO E
BANDA MANTIQUEIRA
00
Texto Anterior: Contemporâneo: Evento no Rio mostra novos caminhos da arte Próximo Texto: Filme nacional apanha na TV aberta Índice
|