São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010

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"Cinema autoral não tem lugar na China"

Diretor chinês mais reconhecido fora de seu país, Jia Zhang-ke critica "monopólio" das produções comerciais

Cineasta diz que filma com ou sem autorização do governo e relembra o "dinamismo" e a "capoeira" do Brasil

BRUNO GHETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Em um lugar como a China, em que nem tudo o que se pensa pode ser dito, é quase um milagre que o cineasta Jia Zhang-ke, 40, tenha permissão do governo para filmar.
Sem medo de mostrar uma visão crítica do país, o diretor volta a tocar em um tema delicado em seu novo filme, "Memórias de Xangai", documentário sobre a cidade, exibido neste ano na Mostra de Cinema de São Paulo e sem previsão de estreia em circuito comercial no país.
"Tenho liberdade total sobre meus filmes", garante o diretor chinês, em entrevista concedida à Folha, em Paris, há duas semanas.
Zhang-ke foi à França para promover o longa, que contém depoimentos que ilustram a história da metrópole. Diretor de filmes como "O Mundo", Jia ficou conhecido por seu cinema poético e independente, aberto aos problemas da China moderna.

 


Folha - As cidades têm um papel muito importante nos seus filmes. Seriam elas as verdadeiras protagonistas? Jia Zhang-ke - Acho que você tem razão. O espaço é muito importante na minha obra. Meus filmes se centram nos indivíduos, mas eu não poderia dizer o que percebo das pessoas sem pensar também no espaço em que estão.

No filme, você inclui testemunhos de várias pessoas sobre Xangai, mas a maior parte delas está ligada ao mundo das artes. Por quê?
Antes de 1949, Xangai era o centro cultural da China. Os artistas e as pessoas relacionadas à cultura representavam uma porcentagem importante da população da cidade. Esses artistas criaram obras que trazem relevantes testemunhos sobre Xangai.

O longa evoca Antonioni e Hou Hsiao-hsien, que dirigiram filmes em que Xangai tem destaque. Você acha que seu cinema se parece mais com o de qual dos dois?
Do ponto de vista do que o cinema representa para mim, é mais parecido com o de Antonioni, sobretudo em como observa o espaço. Mas, no sentido de captar os sentimentos das pessoas, aí estou mais próximo de Hou. Mas, se ambos aparecem no meu filme, não é tanto por eu querer mostrar que meu cinema se aproxima do deles, é mesmo porque fizeram obras que refletem de forma muito justa a vida em Xangai.

Quem são os grandes cineastas da atualidade, a seu ver?
Na China, Hou Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang e Liu Ye. Admiro também [o japonês] Hirokazu Kore-eda, [o sul-coreano] Lee Chang-dong, [o tailandês] Apichatpong Weerasethakul e [o português] Pedro Costa.

O seu filme passou pela censura chinesa. O que foi dito sobre ele?
Tive liberdade total de mostrar o que quisesse neste filme. Passou pela censura, mas tive que passar dois meses esperando a liberação.

Você tem permissão de filmar na China, mas vários cineastas trabalham na clandestinidade. Por que o seu cinema é aceito?
Não se esqueça de que eu também passei vários anos proibido de filmar. Só tive permissão mesmo em 2004 [com "O Mundo"]. As autoridades sabem que, de um modo ou de outro, vou acabar fazendo o meu filme, elas permitindo ou não.

O cinema americano tem conseguido cada vez mais penetrar no país. Você crê que Hollywood poderá dominar em breve o mercado chinês?
Não sou tão pessimista assim [risos]. Mas o que é um problema real não é Hollywood chegar à China, mas os filmes independentes, autorais, não encontrarem uma fatia no mercado devido às produções comerciais, que monopolizam as salas.

Em "Memórias de Xangai", vê-se lugares miseráveis ao lado de prédios modernos e luxuosos, o que faz pensar nas cidades brasileiras...
Passei alguns dias em São Paulo quando Yu Lik-wai rodou um filme na cidade ["Plastic City", de 2008]. Vi que a diferença entre ricos e pobres é enorme. Mas gostei do Brasil, sobretudo do seu dinamismo. E da capoeira! Assim que cheguei ao hotel, vi dois rapazes jogando capoeira na rua. Pensei: "Realmente, eu estou no Brasil".


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