São Paulo, sexta, 18 de dezembro de 1998

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A ENTREVISTA
"Violência não tem a ver com rap', diz B-Real

especial para a Folha, em Los Angeles

Como vocalista e fundador do Cypress Hill, uma das primeiras bem-sucedidas bandas de rap dos EUA com integrantes de origem latina, o rapper B-Real assistiu de camarote a ascensão do hip hop ao olimpo da música pop norte-americana.
Viu a realidade das ruas tomar conta das letras, vivenciou a violência das gangues de Los Angeles (Costa Oeste dos EUA) e, enquanto isso, lançou quatro discos, sendo que o último, "IV", foi lançado nos EUA em outubro.
Em entrevista exclusiva à Folha, B-Real fala sobre o novo disco, sobre o movimento hip hop e sobre a rixa que divide as Costas Leste e Oeste dos Estados Unidos num verdadeiro cabo de guerra musical. (AE)
Folha - Foi mais difícil para vocês serem reconhecidos por serem brancos num meio essencialmente negro como o hip hop?
B-Real -
Ser branco e latino acabou sendo uma vantagem e uma desvantagem ao mesmo tempo. A desvantagem era ter que tentar provar nosso talento para uma indústria dominada por negros, em que ter a pele escura era como que um pré-requisito para ser um bom rapper. A vantagem foi termos sido a primeira banda de origem latina a fazer rap com apelo universal. Tinha um público grande esperando por isso.
Folha - Quais DJs e MCs da "velha escola" serviram de influência para o Cypress Hill?
B-Real -
Minhas inspirações sempre foram o Run D.M.C., Melle Mel, Public Enemy, Boogie Down Productions, Beastie Boys.
Folha - Da "nova escola", que bandas se destacam?
B-Real -
Gosto muito de Wu-Tang Clan, DMX, Busta Rhymes, Mobb Deep, Flipmode Squad.
Folha - O que mudou no rap nesses últimos dez anos?
B-Real -
O rap tem fases cíclicas. Primeiro surgiu o rap pesado, depois veio um rap com preocupações mais ideológicas e políticas. Daí surgiu o rap com fortes influências dance e pop, com artistas como Puffy Daddy e Mase. Agora o hardcore está voltando, fechando o círculo. Tem sido sempre assim: a cada cinco anos, o rap entra numa nova fase, muda drasticamente. Hoje o rap hardcore está novamente em alta e todo mundo está falando de tráfico de drogas ou de roupas caras. Provavelmente a próxima onda será a volta do rap ideológico. Mas é isso que permite que o rap cresça.
Folha - Qual a diferença entre o rap da Costa Leste e o da Costa Oeste dos EUA?
B-Real -
O rap da Costa Leste, que é representado por Nova York, é mais rápido, mais enérgico, com um clima de festa. O rap da Costa Oeste, representado por Los Angeles, é mais sossegado, com mais influências do rhythm and blues.
Quanto às letras, a Costa Leste se refere mais a dinheiro, riqueza. As letras são mais livres. Na Costa Oeste as músicas são pequenas historinhas, que podem ter como tema as gangues, o amor, as drogas, qualquer aspecto da vida. Existem também diferenças de linguagem, de estilo, de atitude, de roupas. Mas tudo é hip hop, e essas diferenças são bem-vindas.
Folha - Quais as diferenças do Cypress Hill nesse novo trabalho?
B-Real -
Acho que a principal mudança é a variedade. O disco tem música para rir, música para dançar, música para chorar e música para se enraivecer. Nos nossos últimos trabalhos, o clima pesado e sombrio dominava do começo ao fim. Não havia nada fora aquilo. Com "Cypress IV" nós conseguimos abranger estilos diferentes.
Folha - Quais suas expectativas de vendas para este disco?
B-Real -
Acredito que cheguemos a vender 1 milhão de cópias e rezo para vendermos 2 milhões! Acho que é um dos melhores discos da banda, junto com nosso álbum de estréia.
Folha - O festival itinerante e alternativo Lollapalooza foi cancelado este ano, enquanto a Smokin' Groove Tour (só com artistas de rap) e o Smoke Out tiveram ingressos esgotados. O rap está substituindo o rock?
B-Real -
Não acho que o rock esteja morrendo como tem sido dito, só acho que muita gente do meio roqueiro não sabe o que está fazendo e acaba metendo os pés pelas mãos. O que não falta é banda boa, só que elas não sabem se organizar, se promover. No Smokin' Groove a gente se envolveu diretamente na produção. No Smoke Out nós fizemos praticamente tudo -organização, produção, divulgação- sozinhos. Provamos que, mesmo não sendo promotores, sabemos o que estamos fazendo. Sabemos como lotar um lugar, como criar expectativa. Foi um dos maiores shows do verão em Los Angeles.
Folha - Você acha que o rap promove a violência?
B-Real -
Alguns artistas sim. Outros podem parecer que estão promovendo violência, mas na verdade estão se opondo a ela. Eles usam a situação de violência como um exemplo do que não fazer. Existem grupos que incitam a violência e existem grupos que simplesmente falam da violência que já existe, que é parte da realidade deles.
Folha - E a guerra entre gangues em Los Angeles?
B-Real -
Isso é resultado da incapacidade das pessoas de resolver suas diferenças de forma inteligente. Essa guerra sempre existiu e vai sempre existir, infelizmente. Às vezes, parece que vai acabar, mas sempre volta.
Folha - Ela tem a ver com rap?
B-Real -
Não. Violência, gangues e todos os outros aspectos da vida nas ruas existem desde muito antes do surgimento do rap. Se o rap acabar amanhã, as gangues ainda vão continuar se matando. Gangues e drogas e qualquer outro tipo de violência vão sempre fazer parte da vida nas cidades. É uma grande besteira essa história de que o rap provoca, incentiva, perpetua ou glorifica essa violência.
Folha - Vocês vão fazer turnê?
B-Real -
Sim, e estaremos nos apresentando no Brasil com certeza. É um dos nossos lugares favoritos para tocar. É sempre legal fazer show no Brasil.



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