São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2001 |
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"BRAVA GENTE BRASILEIRA" CRÍTICA Aventura existe porque intelectual europeu entra em cena INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DE CINEMA Um personagem define o destino de "Brava Gente Brasileira": o cartógrafo português Diogo (Diogo Infante), que, no fim do século 18, vem à região do Pantanal a fim de mapeá-la. Não ficará nisso. Em sua aventura, travará contato ora com brancos broncos, como o capitão Pedro (Floriano Peixoto), ora com a índia guaicuru Ánote (Luciana Rigueira), de quem se tornará amante. Os vários personagens oferecem um panorama amplo dos diversos olhares sobre a questão indígena (isto é: sobre a questão da identidade brasileira). Pedro é o senhor da guerra, aquele que vê nos índios o mal e não acredita em negociação com eles. O comandante do Forte Coimbra (Leonardo Villar) é um personagem ambíguo: acredita na paz com os índios como estratégia para a manutenção do domínio português, mas hesita em promover tanto a paz como a guerra. Se, entre todos, Diogo é decisivo, é por um motivo: ele é o europeu racionalista, que conhece Rousseau, cultiva a idéia do "bom selvagem". É, enfim, um intelectual. E toda a aventura gravita em torno disso: a possibilidade de entender o mundo em que caiu. Ou seja: se aventura existe, e existe, é apenas porque esse intelectual está em cena. A Diogo caberá encarar a rudeza de Pedro, violar Ánote apenas para provar sua masculinidade à tropa, estabelecer contato com a índia, conviver com a ambiguidade do comandante. Tudo isso é digno de filme de Raoul Walsh. Lúcia Murat atribuiu a esse personagem uma estranha timidez. Intelectuais são, em geral, pessoas soberbas. Acreditam saber mais das coisas que o comum dos mortais. O intelectual -sobretudo se confrontado aos broncos do sertão- não se intimida. No entanto, Diogo é um homem compassivo, quase amedrontado diante do machismo de Pedro, por exemplo. Decorre dessa opção que "Brava Gente" parece em inúmeros momentos jogar para baixo do tapete o real conflito sugerido pela história e que não envolve prioritariamente brancos versus índios, mas brancos versus brancos. Se evita vícios como o anacronismo (julgar fatos passados a partir de conhecimentos presentes) -e nisso o roteiro se mostra exemplar-, "Brava Gente" raras vezes consegue dar idéia da dimensão do conflito envolvido nas diversas maneiras de encarar o indígena. Ao contrário, a narrativa corre um tanto frouxa por falta de desenvolver esses conflitos -sugeridos pelo enredo. Por isso não raro o circunstancial toma o lugar do essencial (embora ótimo em si, o episódio dos índios homossexuais é dispersivo). Também em relação aos índios -as figuras centrais-, o filme falha, e não por sua caracterização. O principal fato do filme é o ataque final dos índios ao Forte Coimbra. Diante desse ataque, o espectador será tão surpreendido quanto os soldados do forte. Que estes fossem surpreendidos, é normal e até desejável. Que o espectador não seja preparado para o ataque, bem menos: o final do filme incorre, assim, numa arbitrariedade. Também esse aspecto vincula-se à questão de Diogo. Tivesse ele intuído o ataque (e ele é ali o único a entender o comportamento dos índios), e tivesse Murat instaurado o conflito dos brancos em torno da diferença de entendimento sobre os hábitos militares dos indígenas, talvez o filme se resolvesse com mais força. É provável que isso ocorra porque Diogo se assemelha menos ao homem culto que cai no sertão, em pleno século 18 -portanto, alguém cheio de certezas em relação a seu saber-, do que ao intelectual brasileiro (de esquerda, sobretudo) no fim do século 20: alguém inseguro quanto à capacidade de o saber dar conta de um mundo do qual tem levado solenes bordoadas. Brava Gente Brasileira Direção: Lúcia Murat Produção: Brasil, 2000 Com: Luciana Rigueira, Floriano Peixoto Quando: a partir de hoje nos cines ABC Plaza Shopping, Central Plaza, Espaço Unibanco, Interlar Aricanduva e SP Market Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Tiradentes abre Mostra de Cinema Índice |
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