São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

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Oscar estrangeiro é alvo de críticas

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Entra ano, sai ano, e as regras para a escolha dos cinco finalistas ao Oscar de melhor filme estrangeiro não mudam, apesar das promessas em contrário.
Considerado um sistema falho e ultrapassado dentro e fora de Hollywood, o processo de seleção da categoria é motivo de polêmicas constantes -mas insuficientes para modernizar as estruturas enferrujadas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Um dos fatores que têm complicado a seleção é o aumento sucessivo do número de participantes.
O regulamento determina que todos os inscritos precisam ser apreciados pelas mesmas pessoas -mas proíbe a distribuição de vídeos e DVDs. Como é impossível que todos os integrantes da comissão especial formada para julgar a categoria assistam a todos os concorrentes sem exceção, os títulos são agrupados em chaves a serem apreciadas por subgrupos, em sessões especiais.
Essa mesma exigência faz também com que apenas um seleto grupo com tempo disponível (em geral, profissionais aposentados e há tempos longe da ativa) participe do processo de seleção.
Um complexo sistema de pontuação leva ao resultado final, que até pode incluir dois filmes de uma mesma chave -mas é claro que quando dois ou mais concorrentes fortes caem num mesmo subgrupo, pelo menos um deles pode sair prejudicado.
Tal detalhe faz com que o fator sorte tenha importância igual à decisão dos jurados. E essa armadilha do acaso, somada ao gosto dos votantes, que têm visível predileção por temas edificantes e politicamente corretos, contribui para que a lista final traga, invariavelmente, azarões inexplicáveis e ausências surpreendentes.
A última delas, motivo de grande bafafá, girou em torno de "Cidade de Deus", esnobado entre os filmes estrangeiros de 2002 para, no ano seguinte, surgir em quatro categorias da disputa principal, às quais só se habilitou por ter estreado comercialmente nos EUA.
Neste ano, 58 países submeteram filmes à Academia, com participações inéditas de Costa Rica, Fiji e Iraque. "2 Filhos de Francisco" enfrentará um forte naipe de candidatos em potencial entre seus 57 concorrentes -ainda que não tenham surgido favoritos absolutos como "A Vida É Bela" ou "O Tigre e o Dragão".
A Alemanha vem com o drama premiado no Festival de Berlim "Uma Mulher contra Hitler", sobre a única mulher que participou de um grupo de resistência contra o nazismo. Juntam-se aqui vários temas prediletos dos acadêmicos, como Segunda Guerra e martírio.
Ainda da Europa não devem ser desprezados os representantes da França ("Joyeux Nöel", superprodução sobre uma breve trégua para celebrar o Natal em meio à carnificina da Primeira Guerra), da Itália ("La Bestia nel Cuore", sobre dois irmãos adultos que tentam superar o trauma do abuso sexual), e da República Tcheca ("Stesti", uma comédia delicada sobre a vida em família, vencedora do Festival de San Sebastian).
Da Ásia, o mais forte concorrente mais uma vez vem da China, que inscreveu outro épico visualmente espetacular ("A Promessa", de Chen Kaige). A África do Sul, que em 2005 emplacou "Yesterday", agora apresenta "Tsotsi", vencedor de vários prêmios do público em festivais fortes como o de Toronto. O filme vem sendo descrito como um filhote adocicado de "Cidade de Deus".
Mas não se sabe como a Academia vai reagir ao palestino "Paradise Now", que conta a história de dois homens-bomba (premiado com o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro).
As respostas serão conhecidas no próximo dia 31, data do anúncio das indicações. Mas já se sabe que alguns filmes importantes estão de fora da disputa. "Caché", de Michael Haneke, inscrito pela Áustria, não pode participar porque é falado em francês e foi todo filmado em Paris.
"Private", de Saverio Constanzo, representante original da Itália, foi substituído de última hora pelo mesmo motivo (apesar de ser uma produção italiana, dirigida por um italiano, conta uma história passada na Palestina). Outros seis filmes foram desclassificados por razões semelhantes.
Todos os anos, esse regulamento é posto em dúvida, mas pouco se faz para mudá-lo. O problema é criar opções criteriosas e razoáveis. Já correu um forte boato, por exemplo, que a Academia aceitaria filmes selecionados para os principais festivais de cinema do mundo (Cannes, Berlim e Veneza), uma solução que seria mera transferência do problema, livrando a Academia do critério de pré-seleção, mas submetendo-a à escolha dos festivais.


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