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NINA HORTA
Histórias de um bufê
Todo mundo sabe disso: a
hora mais preciosa de um restaurante é quando os empregados
se reúnem para comer. Comecei a
profissão dando assessoria para o
restaurante de uma amiga, e minha sócia e eu nem pensávamos
em hora do almoço, esperando o
rush dos clientes, mas os funcionários estavam sempre lá, firmes,
a postos para uma comidinha, e
faziam a maior questão de que o
tomate não estivesse maduro demais para a salada, gostavam mais
duro, ou não comiam e ainda reclamavam bastante.
Quando batia 11h30, uma das
moças se sentava na mesa comprida da cozinha, estivesse ou não a
comida pronta, num banco alto, e
ficava com as pernas balançando,
como pernas de boneca, de sapato
de verniz preto abotoado do lado.
Era o maior mistério para nós.
Depois fui aprendendo, com o
próprio bufê, que tem a hora do
sagrado almoço. Na maioria dos
dias, é aquilo mesmo: arroz, feijão,
bife, frango ou peixe, salada, nada
a ver absolutamente com comida
de festa. E poderia haver, porque
em comida complicada sempre se
perde muita coisa, como pedaços
mais finos do peixe, cabeças para
sopa... Há, no entanto, uma delimitação não combinada, mas evidente. E as comidas que aparecem
se repetem sempre, refletindo os
costumes do pessoal que já trabalha lá há muito tempo. Tenho
muita pena de não termos uma
baiana -até que temos, a Nalva,
mas ela cozinha comida árabe, expert em charutinhos, não faz outra
coisa na vida.
Nas quintas, dia de feira, meu
dia preferido, tem sardinha frita.
Acho que já perdemos dezenas de
clientes que entram para conversar sobre um casamento e sentem
aquele cheiro que se infiltra por
cada fio de cabelo, subindo dois
andares pela escada íngreme.
Mandam para mim só o peixe
como se fosse uma entrada, um
"amuse gueule", e escolhem as
maiores e mais gorduchas. Mas erram. Gosto das magras, esturricadas, que se come com os ossinhos
sobrantes, mastigando tudo, regadas a limão.
Sueli, que está conosco há anos,
sabe assar qualquer coisa. E, principalmente, um frango inteiro,
que fica dourado, úmido, macio,
um feito quase impossível com os
frangos de hoje. Disfarça, não diz o
segredo.
Coisas que não faço em casa e
aparecem lá: músculo em pedaços, muito bem cozido em panela,
vai-se juntando água aos poucos,
até quase derreter, o molho fica
bem grosso -é bom com polenta- e extremamente saboroso.
Há tempos tínhamos a Regina,
que veio do Norte. Quando havia
uma falta braba de ingredientes
interessantes, ela fazia um caldo
no qual juntava muita salsinha,
coentro e farinha de mandioca.
Quando começava a transformar-se num pirão, em frigideira, mas
ainda bem mole, ela deixava cair
dentro um ovo cru, que acabava
de cozinhar junto, mas com a gema bem mole. Era um delicioso
clássico da cozinha "povera".
Em matéria de ovo, tem outra
coisa que me dão que é a simplicidade em pessoa. Uma cumbuca
japonesa, com os hashis do lado e
dentro um arroz qualquer e um
ovo frito por cima, com uma polvilhada de cebolinha francesa. Pode vir junto um copinho de média,
com caldo de feijão novo, bem
grosso.
Quando temos estagiários, há
sempre o perigo de uma novidade
rondando o ar. Até hoje, o que
mais nos deu prazer foi o mexicano com suas pimentas, tudo trazido da casa dele, mandado pela
mãe, o chocolate sem açúcar para
os moles (guisado de peru com
chocolate), as dezenas de especiarias para rechear um pimentão...
Engraçado, cada qual faz a comida que estava acostumado na infância melhor do que os outros.
Hoje em dia, nosso chef Marcelo é
gaúcho, e acreditam que o pinhão
dele é o melhor do mundo? Greg, o
australiano, adorava beterraba,
coisa que os clientes evitam. O cozinheiro chinês nos dava os maiores prazeres recheando um papel
de arroz com restos de rabada, é
possível?
Todo mundo sabe que, em cozinha, como em bufê, sempre há alguém querendo enfiar uma faca
no outro, mas jamais na hora da
bóia, aglutinadora e pacífica por
excelência.
Às vezes, nas festas, a comida
dos funcionários (ou da "criadagem", como diz a Andreinha, toda
pernóstica, depois de ler um romance açucarado) é completamente diferente da de todo dia, geralmente um prato único. O inteligente dono da casa, às 18h30, se
senta com o pessoal e come uma
bela macarronada ao sugo. Na hora do carneiro ou da vitela, ele já
está forrado e espera a fila com ar
magnânimo e compreensivo.
@ - ninahort@uol.com.br
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