São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

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Última Moda

Alcino Leite Neto - ultima.moda@folha.com.br

"As pessoas estão vivendo como zumbis

"Em entrevista exclusiva, a top conta que vai abrir fundação, escrever livro e diz que não assiste TV, porque é um meio pouco criativo

Para modelo, que está no Brasil para o desfile da Colcci que encerra o Fashion Rio, as pessoas preferem viver a vida das celebridades


A modelo Gisele Bündchen está cheia de planos. Dentro em breve, quer abrir uma fundação e fazer um livro sobre a sua carreira. Mas seu projeto pessoal mais acalentado é outro: deseja se preparar para ser atriz. E a TV não está de modo algum nos seus planos. "Eu não assisto TV, não tenho paciência. Tem tantas coisas mais inteligentes que a televisão poderia estar fazendo e não faz!... Agora, eles só fazem "reality shows". Prefiro uma coisa mais criativa", diz.
Gisele, a top model mais famosa do mundo, está no Brasil para o desfile da grife Colcci, que encerra hoje à noite a temporada outono-inverno do Fashion Rio. A Folha conversou com a modelo num estúdio no Rio, antes de ela ser maquiada para a nova campanha da grife catarinense, fotografada por Gui Paganini e com direção de arte de Giovanni Bianco.
Sentada na cadeira do maquiador, Gisele falou dos distúrbios alimentares no meio da moda, da importância da educação familiar para criar segurança nas modelos, aconselhou as pretendentes à top model e fez um diagnóstico sobre o culto atual pelas celebridades.
"Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. Você sabe por que isso acontece? É porque 90% das pessoas estão vivendo como zumbis", afirmou.

 

FOLHA - Existe hoje uma grande preocupação com os distúrbios alimentares no meio da moda. O que você teria a dizer às novas modelos quanto a isso?
GISELE BÜNDCHEN -
É uma situação muito delicada. Você não pode generalizar e dizer que todas as modelos têm anorexia, assim como não dá para dizer que todos os jornalistas ou advogados são assim ou assado. É óbvio que, na moda, é preciso ser mais magra do que a média, isso faz parte do trabalho das modelos, e as roupas dos designers caem melhor nestas pessoas mais magras. Mas eu diria também que é muito importante as pessoas serem saudáveis.
Eu comecei com 14 anos e sempre me alimentei superbem, até demais. Algumas pessoas vão além dos limites, pois se sentem inseguras e, principalmente, não têm apoio familiar. Acredito que esses distúrbios são provocados por falhas na educação familiar.

FOLHA - Na carreira, você chegou a ser pressionada para emagrecer? GISELE - Nunca. Eu obviamente já vi isso acontecer. Quando fazia desfiles havia meninas que não comiam. Mas nem todo mundo é assim. Mas, quando comecei, chegavam para mim e falavam: "Você tem um nariz ridículo, nunca vai ser capa de revista". O que eu poderia fazer?
Ficar chorando ou fazer uma plástica? Não fiz nada disso, pois meu pai falou para mim: "Gisele, quem tem personalidade tem nariz grande. Você tem muita personalidade". E eu toquei a vida pra frente. Os princípios, a educação: tudo vem da família. É a educação que te dá segurança. Nem todo mundo nasceu para ser Marisa Monte, com aquela voz linda e aquele talento todo. Se eu não sou Marisa Monte, não é por isso que vou me deprimir. Vou continuar a minha vida.

FOLHA - Mas o que dizer às meninas que tentam ser modelos e não estão estourando? Ou àquelas que tentaram e não conseguiram fazer sucesso?
GISELE -
Cada um tem um caminho diferente, mas é sempre importantíssimo ser realista. Acho que é legal você ir até lá e tentar, se é isso que você quer. Mas, se não der, tudo bem. Gente, tem 1 bilhão de meninas querendo ser modelo. Que eu saiba, apenas dez vão fazer sucesso. Outras vão trabalhar por um tempo e depois terão que fazer outra coisa. A carreira é muito curta, é um momento. É muito difícil conseguir atravessar este momento e continuar com sucesso. É preciso ter senso para perceber que, se não der para ser top model ou ser a Marisa Monte, você deve fazer outra coisa. Deve estar aberta para a vida, com suas surpresas. Se você foca demais, obsessivamente, bloqueia as outras oportunidades da vida.

FOLHA - O que você pretende fazer depois que encerrar a carreira de modelo?
GISELE -
Quero fazer um livro. Não uma biografia, que é para quando eu tiver 90 anos. Mas um livro sobre a minha carreira, contando o que aconteceu. A gente tem todas essas fases, criança, adolescente, os filhos, virar avó, eu quero viver todas elas. Mas decidi que não vou mais controlar minha vida como se estivesse num túnel.
Também gostaria de tentar ser atriz. Adorei atuar em "O Diabo Veste Prada", foi como se tirasse férias do meu trabalho. Fiquei abalada de estar perto da Meryl Streep, que eu amo. Mas sei que tenho que me esforçar muito para ser atriz. Também estou trabalhando para abrir minha própria fundação. Mas ainda é uma coisa embrionária.
Estamos fazendo pesquisas há um ano e meio para saber em que área a atuação desta fundação seria realmente efetiva.

FOLHA - Você não gostaria de fazer televisão?
GISELE -
Não, preferiria atuar, porque, quando você atua, existe um ato de criação. E, quando você faz um programa de TV, não é exatamente uma criação.
Quando eu desfilo ou fotografo, por mais que seja eu mesma, para cada cliente eu estou tentando trazer uma outra personagem. Se você olhar para as minhas fotos, vai ver várias personagens. Eu não assisto TV, não tenho paciência. Prefiro ler. Tem tantas coisas mais inteligentes que a televisão poderia estar fazendo e não faz!...
Agora, eles só fazem "reality shows". Eu acho isso horrível. Prefiro uma coisa mais criativa.

FOLHA - Outro dia fotografaram você numa praia, arrumando o biquíni, e a foto foi muito comentada porque nela aparecia seu bumbum. Os paparazzi perturbam muito?
GISELE -
Olha, eu acho que o mundo está ficando cada vez mais ridículo. Eu estava numa praia particular, sem nenhum ser humano por perto, e surge do nada este fotógrafo para tirar uma foto. O mundo está cheio de problemas, e as pessoas de repente passam achar que uma mulher arrumando um biquíni é a coisa mais importante. Hoje parece que as pessoas querem saber mais sobre quem namorou, casou ou divorciou do que das coisas que acontecem no mundo. É ridículo. Você sabe por que isso acontece? É porque 90% das pessoas estão vivendo como zumbis. Elas têm medo de olhar para dentro delas mesmas. Preferem viver a vida das outras pessoas, e não as suas vidas. Elas não estão despertas para o mundo, para as suas vidas. São como zumbis.

Fashion Rio sofre com fórmulas clonadas

A edição outono-inverno 2007 do Fashion Rio termina hoje com uma nova apresentação de Gisele Bündchen no desfile da grife Colcci. A presença da top já não é novidade na temporada carioca, mas mesmo assim funcionou como um dos atrativos de uma temporada marcada pela falta de idéias e pelo excesso de fórmulas prontas repetidas à exaustão.
Num momento em que o Brasil briga para criar uma identidade para a moda nacional e luta por espaço no mercado estrangeiro, é no mínimo decepcionante constatar que muitas marcas continuam usando referências tão explícitas e até mesmo literais a coleções apresentadas anteriormente na Europa e nos EUA.
Aproveitando o fato de que o inverno brasileiro é leve e, portanto, pede roupas um pouco mais frescas, muitas grifes e estilistas pescaram idéias da temporada internacional de verão e deram a elas um verniz adequado à estação fria.
Subprodutos das últimas coleções de grifes como Prada, Calvin Klein, Marni e Gucci apareceram várias vezes na passarela, em apresentações sem nenhuma originalidade. Muitas delas não mereciam estar numa semana de moda do porte do Fashion Rio-ficariam mais bem situadas num evento comercial, no qual a criatividade não fosse exigência básica.
De uma forma geral, as grifes com propostas menos pretensiosas e focadas numa elegância jovem e sem afetações de luxo apresentaram os melhores resultados. Nesse segmento, a Sommer foi um dos destaques. A estilista Thaís Losso trabalhou com mais segurança sua pegada ultrapop e, principalmente nos looks masculinos, resgatou shapes e elementos do universo lúdico do criador da marca, Marcelo Sommer.

Elegância cool
Outro ponto alto foi a grife masculina Reserva, que voltou a chamar a atenção com sua moda que valoriza o melhor do lifestyle carioca, aliando uma atitude cool a uma elegância pautada principalmente pelo conforto e pela praticidade. A Cantão e a Maria Bonita Extra também mostraram boas coleções, com peças que funcionam tanto dentro do desfile quanto separadas nas araras.
O segredo dessas marcas, que não precisaram de pirotecnias nem malabarismos, está em entender as necessidades e desejos dos clientes, olhando mais para as ruas brasileiras do que para outros países.


com VIVIAN WHITEMAN

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