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HQ recupera contos dos Grimm
Álbum ilustrado por quadrinistas brasileiros traz versões originais de histórias como "Branca de Neve"
Livres das alterações politicamente corretas, clássicos infantis ganham sangue, sexo e humor, com traços em preto-e-branco
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
A história, você a conhece de
cor: de posse do sapatinho perdido por sua amada -que fugiu
correndo do baile antes que
chegasse a meia-noite-, o príncipe vaga em busca do pé que
nele se encaixará.
O que você não sabe é que,
quando as duas irmãs malignas
da Gata Borralheira experimentam o sapato e ele não entra, elas cortam o calcanhar e o
dedão até que o pé encaixe.
O que as denuncia é o sangue
que escorre e que um bando de
passarinhos mostra ao príncipe
-os mesmos passarinhos que,
depois, irão cegar as irmãs e a
madrasta da Borralheira.
Essa versão bem mais sombria, que você certamente não
viu nos filmes e livros de sua infância, é a que está em "Irmãos
Grimm em Quadrinhos".
O álbum, lançado pela Desiderata, reúne 14 clássicos dos
irmãos alemães, desenhados
por ilustradores brasileiros, em
versões mais próximas das originais -ou seja, sem a adocicagem de Disney e companhia.
"Há muito tempo que a gente
não via os originais, já perdemos a referência de como eles
contaram as histórias porque o
mundo politicamente correto
de hoje deu uma amaciada em
tudo", diz S. Lobo, editor de
quadrinhos da editora, em entrevista à Folha, por telefone.
Novos quadrinistas
A idéia da coletânea surgiu
em 2006, mas, como costuma
acontecer no mercado brasileiro de quadrinhos, levou um
tempo até ficar pronta.
Um dos objetivos, segundo
Lobo, era "divulgar o quadrinho brasileiro e mostrar que temos qualidade internacional".
Para isso, ele escolheu basicamente desenhistas da nova geração, salvo exceções como Arthuro Uranga e Allan Alex.
No total, são 14 artistas, cada um
responsável por uma história
-dois deles trabalharam com
roteiristas convidados.
O resultado é de alta qualidade. Todas as histórias são em
preto-e-branco, mas a variedade do traço de cada quadrinista
garante diversidade ao álbum.
"Pensamos na necessidade
narrativa de cada história e em
qual ilustrador poderia contá-la bem. Foi uma negociação caso a caso", diz Lobo, acrescentando que todos os desenhistas
tiveram liberdade para criar
dentro de certos parâmetros.
"Para que o álbum tivesse
uma unidade, determinamos
que as histórias tinham que se
passar na Idade Média e que
era preciso ser fiel à narrativa
dos Grimm, mas os diálogos podiam ser mexidos."
O que mais chama a atenção
no trabalho é como a depuração devolve aos textos -como o
da "Gata Borralheira", ilustrado por Fido Nesti- sua moral
original, que teve papel importante "na formação das identidades dos povos e suas nações",
como destaca Francisco Gregório Filho na introdução.
Reinvenções
Mas há também casos de
grande engenhosidade narrativa, como a espantosa adaptação
de Rafael Coutinho para a batida história da "Branca de Neve", o melhor trabalho da HQ.
"O Rafael ousou mais na linguagem, ele teve essa possibilidade porque a "Branca de Neve"
é uma história que se modificou muito pouco", diz Lobo.
Por fim, há o resgate de histórias pouco conhecidas, como
"João Porco-Espinho" (por
Claudio Mor) ou a belíssima
"As Três Línguas" (por Odyr).
IRMÃOS GRIMM EM QUADRINHOS
Organização: S. Lobo e Levy Luz
Editora: Desiderata
Quanto: R$ 25 (176 págs.)
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