São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2008

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HQ recupera contos dos Grimm

Álbum ilustrado por quadrinistas brasileiros traz versões originais de histórias como "Branca de Neve"

Livres das alterações politicamente corretas, clássicos infantis ganham sangue, sexo e humor, com traços em preto-e-branco

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

A história, você a conhece de cor: de posse do sapatinho perdido por sua amada -que fugiu correndo do baile antes que chegasse a meia-noite-, o príncipe vaga em busca do pé que nele se encaixará.
O que você não sabe é que, quando as duas irmãs malignas da Gata Borralheira experimentam o sapato e ele não entra, elas cortam o calcanhar e o dedão até que o pé encaixe.
O que as denuncia é o sangue que escorre e que um bando de passarinhos mostra ao príncipe -os mesmos passarinhos que, depois, irão cegar as irmãs e a madrasta da Borralheira.
Essa versão bem mais sombria, que você certamente não viu nos filmes e livros de sua infância, é a que está em "Irmãos Grimm em Quadrinhos".
O álbum, lançado pela Desiderata, reúne 14 clássicos dos irmãos alemães, desenhados por ilustradores brasileiros, em versões mais próximas das originais -ou seja, sem a adocicagem de Disney e companhia. "Há muito tempo que a gente não via os originais, já perdemos a referência de como eles contaram as histórias porque o mundo politicamente correto de hoje deu uma amaciada em tudo", diz S. Lobo, editor de quadrinhos da editora, em entrevista à Folha, por telefone.

Novos quadrinistas
A idéia da coletânea surgiu em 2006, mas, como costuma acontecer no mercado brasileiro de quadrinhos, levou um tempo até ficar pronta.
Um dos objetivos, segundo Lobo, era "divulgar o quadrinho brasileiro e mostrar que temos qualidade internacional". Para isso, ele escolheu basicamente desenhistas da nova geração, salvo exceções como Arthuro Uranga e Allan Alex.
No total, são 14 artistas, cada um responsável por uma história -dois deles trabalharam com roteiristas convidados.
O resultado é de alta qualidade. Todas as histórias são em preto-e-branco, mas a variedade do traço de cada quadrinista garante diversidade ao álbum.
"Pensamos na necessidade narrativa de cada história e em qual ilustrador poderia contá-la bem. Foi uma negociação caso a caso", diz Lobo, acrescentando que todos os desenhistas tiveram liberdade para criar dentro de certos parâmetros.
"Para que o álbum tivesse uma unidade, determinamos que as histórias tinham que se passar na Idade Média e que era preciso ser fiel à narrativa dos Grimm, mas os diálogos podiam ser mexidos."
O que mais chama a atenção no trabalho é como a depuração devolve aos textos -como o da "Gata Borralheira", ilustrado por Fido Nesti- sua moral original, que teve papel importante "na formação das identidades dos povos e suas nações", como destaca Francisco Gregório Filho na introdução.

Reinvenções
Mas há também casos de grande engenhosidade narrativa, como a espantosa adaptação de Rafael Coutinho para a batida história da "Branca de Neve", o melhor trabalho da HQ. "O Rafael ousou mais na linguagem, ele teve essa possibilidade porque a "Branca de Neve" é uma história que se modificou muito pouco", diz Lobo. Por fim, há o resgate de histórias pouco conhecidas, como "João Porco-Espinho" (por Claudio Mor) ou a belíssima "As Três Línguas" (por Odyr).


IRMÃOS GRIMM EM QUADRINHOS
Organização:
S. Lobo e Levy Luz
Editora: Desiderata
Quanto: R$ 25 (176 págs.)


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