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DRAUZIO VARELLA
Cidade Maravilhosa
Não fosse a violência, doença contagiosa, haveria no mundo lugar com mais atrativos?
O RIO de Janeiro continua um
cenário de encantos mil, mas
está distante da cidade maravilhosa.
Semana passada gravei um programa de TV em locações que me
obrigaram a circular entre casarões
coloniais e becos do início do século
passado ainda preservados na região
central. Nos espaços entre eles, a visão das montanhas.
O sol não deu um minuto de trégua; parecia um crematório. Gravamos até as sete da noite, sem parar
sequer para um lanche.
Eu tinha acordado às cinco da manhã, em São Paulo. Quando entrei
no carro que me levaria de volta para
o aeroporto, estava alquebrado, com
fome, sede e com a sensação pegajosa de que haviam derramado um galão de cola em meu corpo.
Na frente do cemitério São João
Baptista, em Botafogo, o trânsito ficou congestionado. Em contraposição à impaciência do motorista carioca, enfrentei a adversidade com
resignação paulistana.
Em dado momento, ouvi um batuque que vinha do fim da rua. Quando
nos aproximamos, pude ver que se
originava de um botequim abarrotado de mulatos, negros e brancos que
pulavam e batiam nos surdos e tamborins com a energia do herói que
cumpre a derradeira missão da existência. Mulheres de calça agarrada e
ombros de fora cantavam com os
braços para cima e requebravam na
calçada.
A alegria emanada do bar deu um
coice em meu mau humor. Tive ímpeto de descer do carro, pedir uma
cerveja, um sanduíche rico em colesterol e chegar perto na folia. A
tentação foi tão forte que cheguei a
levar a mão à maçaneta da porta,
mas fraquejei.
Se arrependimento matasse, o autor desta coluna teria ido a óbito
dentro do avião, durante as horas de
espera até que o aeroporto de Congonhas, fechado pelo mau tempo,
autorizasse a partida.
Que cidade o Rio de Janeiro!
Como pode chegar ao estado de
guerra civil em que vive hoje? É inacreditável como aceitamos que nossa cidade-símbolo fosse empobrecida e humilhada, sem esboçarmos
qualquer reação coletiva que não seja a de aplaudir invasões de favelas.
Quando falamos do Brasil no exterior, os estrangeiros dizem: "Oh!
Brazil, Pelé, café" e, invariavelmente, "Rio de Janeiro". O Cristo Redentor e o Pão de Açúcar são cartões
postais tão reconhecidos como a
Torre Eiffel, o Big Ben, o Coliseu ou
as pirâmides do Egito.
Quantos milhões de dólares um
país precisaria investir em publicidade para tornar uma de suas praias
tão famosa como Copacabana ou
Ipanema?
Não fosse a violência, doença contagiosa, haveria no mundo lugar
com mais atrativos? Que fortuna o
país amealharia com a invasão dos
que sonham em conhecê-la?
Não é possível que nada possa ser
feito para retirá-la da situação em
que se encontra. É vergonhoso saber
que o tráfico arregimenta menores
em regime de trabalho anterior à lei
Áurea, por salários de setecentos
reais sem que sejamos capazes de
oferecer-lhes opção mais digna.
Qual a solução?
Não sei. Mas, deve haver alguma;
ou muitas, desde que exista vontade
política.
Por exemplo, oferecer incentivos
fiscais tão generosos quanto sejam
necessários, para que empresas ávidas de mão-de-obra se interessem
em montar unidades nas áreas pobres. Criar programas federais, estaduais e municipais para investir em
infra-estrutura e treinamento de
pessoal. Moralizar a polícia, mas dar
atenção especial ao ensino, aos postos de saúde e, mais que tudo, levar o
planejamento familiar aos mais pobres.
Porque, convenhamos, com esse
número absurdo de adolescentes
dando à luz filhos que não terão condições de educar, de onde virão os
recursos para tantas escolas, hospitais, moradias e cadeias para os mal
comportados?
Tenho consciência, leitor, de que o
desabafo acima pode parecer quixotesco, mas não consigo me conformar que um país no qual o cidadão é
obrigado a recolher impostos abusivos como o nosso, seja condenado a
assistir passivamente à sua ex-capital cair nas garras da bandidagem.
Berlim, Hiroshima e outras cidades que os bombardeios transformaram em entulho foram reconstruídas em poucos anos. Hoje é possível andar com segurança em ruas
no passado perigosas como as de
Nova York ou Chicago. Por que não
surge um programa ou sequer uma
idéia decente para reduzir a violência urbana entre nós?
O Rio é nossa cidade mais conhecida. Ela é como a bandeira brasileira, um símbolo ligado à identidade
do país. O drama que a aflige não é
problema exclusivo dos cariocas, diz
respeito a todos nós e exige mobilização nacional.
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