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Biografia retoma figura de Duchamp
da Reportagem Local
Ao contrário da norma, o artista
plástico francês Marcel Duchamp
se recusava a levar malas quando
viajava. Preferia usar uma camisa
sobre a outra, o mesmo terno e a
escova de dentes, cuidadosamente
guardada no bolso. Tudo mais era
dispensável.
Essa é uma das várias anedotas
sobre o artista que matou a idéia de
museu e disseminou o que se entende hoje por arte conceitual que
se tornam fatos comprovados ao
longo das 400 páginas do livro
``Duchamp: A Biography'', escrito
pelo crítico norte-americano Calvin Tomkins.
``A primeira vez que encontrei
Marcel Duchamp foi em 1959,
quando o entrevistei para o semanário `Newsweek' na ocasião em
que estava sendo publicada a primeira grande monografia sobre o
seu trabalho."
Um ano depois do encontro, como disse à Folha por telefone, de
Nova York, Tomkins entraria para
a revista ``The New Yorker'' para,
36 anos depois, dar conta de sua
obsessão em um ``trabalho de
uma vida''.
Mídia
Lançado há dois meses no mercado de seu país, ``Duchamp: A
Biography'' enfrentou um filme, as
amantes e os aclamados escritos de
John Richardson (crítico e biógrafo) sobre Pablo Picasso.
Mais uma vez, não mais para a
história, mas apenas para a mídia,
a definição de quem foi o artista
que moldou a arte que vemos hoje
foi retomada.
``Acho que Picasso é decisivo para a primeira metade do século 20.
Na segunda metade o papel é ocupado por Marcel Duchamp'', diz
Tomkins.
``Os jovens artistas são influenciados pela presença de Duchamp,
o que é evidente na arte conceitual.
Picasso não é mais a influência
predominante.''
E, para Tomkins, alguém que detesta a performance, as carcaças de
animais e o sangue humano nas
exposições tem o dever moral de
odiar a presença e as criações de
Marcel Duchamp, o homem que
reinventou a vanguarda e, de certa
maneira, esgotou suas possibilidades.
``Na verdade, Marcel Duchamp
ajudou a institucionalizar a vanguarda porque estava questionando as definições antes tidas para a
arte.''
``Ele não fez apenas isso possível, mas realmente necessário para
um artista decidir por si mesmo o
que era arte. E o que fez foi transformar qualquer coisa do mundo
em uma obra. Algo que é na verdade muito mais mental do que propriamente físico. O objeto se torna
bem menos importante do que a
idéia contida nele.''
Moral burguesa
Nascido em 1887, em uma moral
burguesa que agonizava em um século que morria, Duchamp, ainda
nos anos 10, passou a cultivar a
crença de que habitamos não exatamente uma terra.
Vivemos, na verdade, em um cenário em que tudo é motivado pelo
absurdo. Assim é o homem. E assim é também sua arte.
Com o movimento dadaísta,
partiu para a ação. Criou o
``ready-made'' (o objeto cotidiano, como a clássica roda de bicicleta, convertido em obra) em
1912, cinco anos depois de Pablo
Picasso ter anunciado o cubismo
com o quadro ``Les Demoiselles
d'Avingnon''.
Desistiu, durante alguns anos,
da vida mundana dos artistas em
nome do xadrez. Participou de seleção francesa de enxadristas e
descobriu, literalmente, a América, onde se tornou um mestre
amado pelos jovens artistas.
Lá, teve um caso com a mulher
de um diplomata brasileiro, Maria
Martins, e realizou ``Étant Donnés'', a ambiciosa instalação em
que trabalhou até 1966, dois anos
antes de sua morte.
Análise
Tomkins alinha os acontecimentos misturando o dado factual com
a análise, e termina por recuperar
a figura de Teeny Duchamp, a mulher que o artista encontrou aos 63
anos (ela, 45) e transformou em
sua companheira. Determinante
em seus últimos anos.
``Teeny era muito interessada
no trabalho dele. Em `Étant Donnés' sua presença é muito forte. Ele
a usou como modelo para os braços da figura.''
O excêntrico Duchamp, o homem com ojeriza à bagagem, pode
ter tido, em sua vida, menos mulheres que Picasso. Mas, assim como ele, parece ter aproveitado cada instante, cor e imagem delas.
(MARCELO REZENDE)
Livro: Duchamp: A Biography
Autor: Calvin Tomkins
Lançamento: Henry Holt (400 págs.)
Quanto: US$ 35
Onde encomendar: Livraria Cultura (av.
Paulista, 2.073, tel. 011/285-4033)
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