São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

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Crítica/livro/"Fascinado pela Beleza"

Nova biografia de Hitchcock é informativa, porém ingênua

Autor faz análise simplória das relações entre a carreira e a vida pessoal do cineasta

Divulgação
O diretor ao lado de sua mulher, Alma Reville, em abril de 1965

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

A predileção de Donald Spoto por Alfred Hitchcock lembra a dedicação obsessiva de Truman Capote à investigação do assassinato de uma família do Kansas, que deu origem ao livro-reportagem "A Sangue Frio" (1965) e foi reconstituída pelos longas "Capote" (2005) e "Confidencial" (2006). Um dia, alguém talvez faça um filme chamado "Spoto/Hitchcock".
"Fascinado pela Beleza: Alfred Hitchcock e Suas Atrizes" é o terceiro livro que Spoto assina sobre o cineasta, cuja obra e personalidade continuam a despertar interesse editorial, quase 30 anos após a sua morte.
Como ainda havia fartura de material inédito produzido para os livros anteriores, a fome se juntou à vontade de comer. Tamanha familiaridade com o objeto de estudo não evita que ele cometa, por exemplo, um erro primário ao relacionar os filmes ingleses de Hitchcock, "esquecendo-se" de "O Mistério do Número 17" (1932), como observam os cuidadosos tradutores, Mário Ribeiro e Sheila Mazzolenis.
O filme é mencionado nos livros anteriores do autor sobre o cineasta. Não se deve imaginar, contudo, que Spoto não leu o que escreveu. Ao contrário: boa parcela de novo livro é "cozinha" dos anteriores. Sem isso, o material inédito não se sustentaria.
Experiente pesquisador, biógrafo também do dramaturgo Tennessee Williams, da atriz Lotte Lenya e das estrelas Audrey Hepburn, Ingrid Bergman e Marlene Dietrich, ele se sai muito melhor no manuseio de informações do que de interpretações e análises.
Há algo de ingênuo e esquemático na maneira como procura sublinhar as relações entre o comportamento de Hitchcock no trabalho e na "vida civil" - em especial, sexualidade e suposta "semivirgindade"- com o sentido de sua obra. Reduzir essas conexões a uma cadeia simplória de causa e efeito talvez as empobreça.
Spoto parece considerar que as atitudes de Hitchcock, sobretudo com as atrizes, apontam para uma conduta que hoje não seria mais tolerada, porque sujeita à qualificação como "assédio moral" (ou talvez sexual mesmo, em certos casos).
De fato, Madeleine Carroll e Tippi Hedren talvez pedissem hoje a seus advogados que tomassem providências. Mas o autor dá a impressão de ignorar que os bastidores do cinema são pródigos - ainda hoje e provavelmente amanhã - em assistir a comportamentos muito mais agressivos e desrespeitosos que os de Hitchcock.
O voyeurismo, tão caro aos filmes do cineasta, foi incorporado também por "Fascinado pela Beleza", que lembra o olhar por um buraco de fechadura, tão característico da "era das celebridades".

Imagem exposta
Sua vantagem é que, do outro lado, está uma das obras mais fascinantes na história do cinema e um diretor que, diferentemente de Stanley Kubrick, para lembrar um caso extremo de reclusão, expôs desde cedo sua própria imagem para fins mercadológicos. Não poderia reclamar de quem agora a examina com lupa, como Spoto.
Parece muita fofoca? Experimente "The Women Who Knew Too Much: Hitchcock and Feminist Theory" (as mulheres que sabiam demais: Hitchcock e a teoria feminista), de Tania Modleski, publicado nos EUA em 2005.


FASCINADO PELA BELEZA

Autor: Donald Spoto
Tradução: Mário Ribeiro e Sheila Mazzolenis
Editora: Larousse do Brasil
Quanto: R$ 59 (318 págs.)
Avaliação: bom



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