|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMIDA
Giro em Buenos Aires
Blogueira norte-americana recorre a taxistas da capital argentina para descobrir restaurantes pouco conhecidos
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Nada de parrillas em Puerto
Madero ou restaurantes cool
de Palermo garimpados em
guias gastronômicos e de viagem. Para conhecer o lado B da
cozinha de Buenos Aires, a jornalista norte-americana Layne
Mosler, 34, elegeu um método
muito simples: ela estica o braço e chama um táxi.
"Tenho um pedido estranho:
pode me levar ao seu lugar
preferido para comer?" É a senha de Mosler para a descoberta de tesouros secretos da culinária portenha, que descreve
desde 2007 no blog www.taxigourmet.com, um guia pouco
convencional escrito em inglês.
A Folha embarcou com Layne Mosler em uma de suas
aventuras. Calejada por experiências com choferes que não
entenderam bem o espírito da
coisa, ela antes alerta: "Preparem-se para o rechaço".
O taxista Daniel, 38, não se
opõe à ideia, mas sugere mais
do mesmo. "Palermo tem de
tudo." Enquanto rebate a proposta ("Procuramos um lugar
de bairro"), Mosler perscruta a
vida do motorista: descobre
que já foi cozinheiro, trabalha
13 horas por dia e acha que
Buenos Aires anda perigosa.
A viagem de 15 minutos termina em Boedo, o bairro do
tango. Mas o Mi Lugar -uma
parrilla de motivos tangueiros
na rua Castro Barros- está fechado. Hora de trocar de guia.
"Os taxistas costumam ser menos tímidos", comenta Mosler
sobre o lacônico Daniel.
Longe do turismo
Ao sabor de alguns dos 38 mil
taxistas da cidade, a jornalista
explora a cozinha de bairros
distantes do circuito turístico,
como a da comunidade genovesa de Villa Devoto e a dos coreanos de Flores.
E arrisca até uma geografia
das especialidades portenhas:
San Telmo guarda as parrillas, a
melhor pizza está no centro,
Abasto ganha pelos peruanos,
choripán (a versão argentina do
pão com linguiça) é na avenida
Costanera Sul.
Com a rodagem adquirida,
Mosler se credencia a opinar
em uma polêmica: a fama da
carne argentina é exagerada?
Diz que não, porém lamenta
que a tradição de gado solto em
campos abertos -um dos segredos do bife local- esteja
perdendo espaço para a criação
em regime de engorda confinada, em pequenos espaços.
Fora da cidade
A fome aperta e a busca continua com o taxista Mario, 52.
Morador de Avellaneda, no sul
da Grande Buenos Aires, diz
nunca comer fora da vizinhança. Sugere um lugar por lá em
que "a comida é sempre boa".
"Não tenho dinheiro para ir
sempre, mas levo a família
quando posso", diz Mario.
Enquanto conta ter conhecido a mulher no táxi, o torcedor
do Independiente ruma para a
La Provinciana, na avenida Belgrano, uma mistura de rodízio e
casa de festas na principal via
comercial de Avellaneda. Nada
animador, mas são as regras do
jogo criado por Mosler.
Em meio a um globo espelhado, bufês de saladas, massas e
peixes, o churrasqueiro sugere
a colita de cuadril (alcatra) com
chimichurri caseiro -molho típico a base de ervas. Mas quem
quase faz valer a viagem, na
opinião da autora do blog, é a
molleja (timo).
Chorizo e vacio
Radicada em Buenos Aires
há três anos, Mosler ainda não
tolera alguns miúdos exóticos
do churrasco argentino, como o
chinchulin -intestino bovino.
Elege por ora o bife de chorizo
do Don Zoilo (av. Honorio
Pueyrredón, 1.406, Villa Crespo) e o sanduíche de vacio
(fraldinha) do El Litoral (r. Moreno, 2.201, em Balvanera) como os melhores.
Fez também, a pedido da Folha, um "top five" de suas peripécias de táxi por Buenos Aires
(leia quadro à esquerda). Acertos entre as mais de 50 viagens
que, por refletirem o gosto local, muitas vezes terminaram
-e mal- na tríade carne-massa-pizza de sempre. Daí a pergunta: os taxistas têm ou não
as chaves dos segredos da cozinha portenha?
Para Mosler, suspeita por ter
encontrado no projeto a ligação
entre as paixões pela gastronomia e pela antropologia, sim.
"Fui a lugares que nunca encontraria e a outros bem medíocres. Os taxistas oferecem
um meio, não sei se o mais eficiente, mas com certeza é o
mais interessante."
Texto Anterior: Nina Horta: A comida e o sexo Próximo Texto: Frases Índice
|