São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

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COMIDA

Giro em Buenos Aires

Blogueira norte-americana recorre a taxistas da capital argentina para descobrir restaurantes pouco conhecidos

THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

Nada de parrillas em Puerto Madero ou restaurantes cool de Palermo garimpados em guias gastronômicos e de viagem. Para conhecer o lado B da cozinha de Buenos Aires, a jornalista norte-americana Layne Mosler, 34, elegeu um método muito simples: ela estica o braço e chama um táxi.
"Tenho um pedido estranho: pode me levar ao seu lugar preferido para comer?" É a senha de Mosler para a descoberta de tesouros secretos da culinária portenha, que descreve desde 2007 no blog www.taxigourmet.com, um guia pouco convencional escrito em inglês.
A Folha embarcou com Layne Mosler em uma de suas aventuras. Calejada por experiências com choferes que não entenderam bem o espírito da coisa, ela antes alerta: "Preparem-se para o rechaço".
O taxista Daniel, 38, não se opõe à ideia, mas sugere mais do mesmo. "Palermo tem de tudo." Enquanto rebate a proposta ("Procuramos um lugar de bairro"), Mosler perscruta a vida do motorista: descobre que já foi cozinheiro, trabalha 13 horas por dia e acha que Buenos Aires anda perigosa.
A viagem de 15 minutos termina em Boedo, o bairro do tango. Mas o Mi Lugar -uma parrilla de motivos tangueiros na rua Castro Barros- está fechado. Hora de trocar de guia. "Os taxistas costumam ser menos tímidos", comenta Mosler sobre o lacônico Daniel.

Longe do turismo
Ao sabor de alguns dos 38 mil taxistas da cidade, a jornalista explora a cozinha de bairros distantes do circuito turístico, como a da comunidade genovesa de Villa Devoto e a dos coreanos de Flores.
E arrisca até uma geografia das especialidades portenhas: San Telmo guarda as parrillas, a melhor pizza está no centro, Abasto ganha pelos peruanos, choripán (a versão argentina do pão com linguiça) é na avenida Costanera Sul.
Com a rodagem adquirida, Mosler se credencia a opinar em uma polêmica: a fama da carne argentina é exagerada? Diz que não, porém lamenta que a tradição de gado solto em campos abertos -um dos segredos do bife local- esteja perdendo espaço para a criação em regime de engorda confinada, em pequenos espaços.

Fora da cidade
A fome aperta e a busca continua com o taxista Mario, 52. Morador de Avellaneda, no sul da Grande Buenos Aires, diz nunca comer fora da vizinhança. Sugere um lugar por lá em que "a comida é sempre boa". "Não tenho dinheiro para ir sempre, mas levo a família quando posso", diz Mario.
Enquanto conta ter conhecido a mulher no táxi, o torcedor do Independiente ruma para a La Provinciana, na avenida Belgrano, uma mistura de rodízio e casa de festas na principal via comercial de Avellaneda. Nada animador, mas são as regras do jogo criado por Mosler.
Em meio a um globo espelhado, bufês de saladas, massas e peixes, o churrasqueiro sugere a colita de cuadril (alcatra) com chimichurri caseiro -molho típico a base de ervas. Mas quem quase faz valer a viagem, na opinião da autora do blog, é a molleja (timo).

Chorizo e vacio
Radicada em Buenos Aires há três anos, Mosler ainda não tolera alguns miúdos exóticos do churrasco argentino, como o chinchulin -intestino bovino. Elege por ora o bife de chorizo do Don Zoilo (av. Honorio Pueyrredón, 1.406, Villa Crespo) e o sanduíche de vacio (fraldinha) do El Litoral (r. Moreno, 2.201, em Balvanera) como os melhores.
Fez também, a pedido da Folha, um "top five" de suas peripécias de táxi por Buenos Aires (leia quadro à esquerda). Acertos entre as mais de 50 viagens que, por refletirem o gosto local, muitas vezes terminaram -e mal- na tríade carne-massa-pizza de sempre. Daí a pergunta: os taxistas têm ou não as chaves dos segredos da cozinha portenha?
Para Mosler, suspeita por ter encontrado no projeto a ligação entre as paixões pela gastronomia e pela antropologia, sim. "Fui a lugares que nunca encontraria e a outros bem medíocres. Os taxistas oferecem um meio, não sei se o mais eficiente, mas com certeza é o mais interessante."


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