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Crítica/teatro
Encenação inventiva do Folias confirma contundência e atualidade de "Querô"
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
É vocação do teatro confrontar a plateia com
realidades difíceis de
encarar, fazendo-a vê-las com
mais clareza. O espetáculo
"Querô -°Uma Reportagem
Maldita", do grupo paulistano
Folias, consegue vitalizar latências numa dramaturgia coroada e jogar luzes sobre uma
problemática bem conhecida.
O texto base do espetáculo é a
peça de Plínio Marcos, que ele
próprio adaptou, em 1979, de
seu romance de mesmo nome
escrito três anos antes.
O livro
conta a saga de Querô, filho de
uma prostituta morta ao tomar
querosene. Criado em um prostíbulo, ele cedo se envolve em
um círculo infernal de violência e corrupção e acaba imolado
como um bode expiatório da
miséria e incúria brasileiras.
Mas o que torna a produção
do Folias interessante não são
as credenciais combativas do
autor ou a óbvia atualidade de
suas denúncias, e sim a forma
teatral inventiva e vigorosa de
que se serve para confirmar a
contundência do texto.
A opção do encenador Marco
Antonio Rodrigues -um dos
mais produtivos criadores de
sua geração- foi a de trabalhar
com um elenco numeroso, de
39 atores e atrizes.
Isso lhe permitiu criar uma massa humana
no centro da cena que ora serve
de moldura para a ação dramática, ora como fonte da própria
narrativa, na medida em que do
conjunto de figuras amontoadas, habitantes do bordel Leite
da Mulher Amada, onde transcorre o drama, sobressaem tramas paralelas.
Texto e encenação
Na ficção de Plínio Marcos,
um repórter procura Querô depois que, ainda na primeira cena, o menino mata um policial e
é ferido por outro. Febril e alucinando, Querô irá contar-lhe
sua história em flashback.
No espetáculo, o repórter, cínico, alerta aos perigos da criminalidade infantil, ao mesmo
tempo em que, crítico, revela
compaixão pelo caso. Ele traduz não só a voz da imprensa
como a perspectiva do público,
com quem se acumplicia. Em
irônica inversão, esse narrador
prioritário torna-se o típico coro da tragédia grega, eco da
consciência dos cidadãos, enquanto a massa coral, que se
desdobra nos personagens, encarna a ação dramática.
Outro aspecto notável da encenação é a fluidez de seus planos narrativos. A mãe suicida
de Querô, visível só na alucinação do filho, interfere fisicamente na ação, com tapas e beliscões contra os policiais que o
perseguem. A banda de músicos não só colabora na narração, ilustrando-a, como se confunde com ela, atuando no desenvolvimento dramático.
O
repórter, deslocado da condição naturalista de narrador,
deixa por vezes de conduzir o
relato dando lugar às pulsões
de Querô e dos personagens do
bordel. Tais estratégias ampliam a dimensão literária do
texto e consagram o próprio espetáculo como narrativa.
Diante da proposta de trabalhar com quatro grupos de protagonistas, que, a cada apresentação, alternam-se nos papéis
principais, não cabe destacar
nenhum ator ou atriz em especial, mas reconhecer-lhes o mérito enquanto coletivo, pela
garra e entrega com que se lançam na aventura.
QUERÔ - UMA REPORTAGEM MALDITA
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às
20h; até 26/4
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, tel. 0/xx/11/3361-2223)
Quanto: R$ 30 (R$ 8 para moradores
do bairro)
Classificação: não indicada a menores de 14 anos
Avaliação: bom
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