São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Índice

Crítica/teatro

Encenação inventiva do Folias confirma contundência e atualidade de "Querô"

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

É vocação do teatro confrontar a plateia com realidades difíceis de encarar, fazendo-a vê-las com mais clareza. O espetáculo "Querô -°Uma Reportagem Maldita", do grupo paulistano Folias, consegue vitalizar latências numa dramaturgia coroada e jogar luzes sobre uma problemática bem conhecida.
O texto base do espetáculo é a peça de Plínio Marcos, que ele próprio adaptou, em 1979, de seu romance de mesmo nome escrito três anos antes.
O livro conta a saga de Querô, filho de uma prostituta morta ao tomar querosene. Criado em um prostíbulo, ele cedo se envolve em um círculo infernal de violência e corrupção e acaba imolado como um bode expiatório da miséria e incúria brasileiras.
Mas o que torna a produção do Folias interessante não são as credenciais combativas do autor ou a óbvia atualidade de suas denúncias, e sim a forma teatral inventiva e vigorosa de que se serve para confirmar a contundência do texto.
A opção do encenador Marco Antonio Rodrigues -um dos mais produtivos criadores de sua geração- foi a de trabalhar com um elenco numeroso, de 39 atores e atrizes.
Isso lhe permitiu criar uma massa humana no centro da cena que ora serve de moldura para a ação dramática, ora como fonte da própria narrativa, na medida em que do conjunto de figuras amontoadas, habitantes do bordel Leite da Mulher Amada, onde transcorre o drama, sobressaem tramas paralelas.

Texto e encenação
Na ficção de Plínio Marcos, um repórter procura Querô depois que, ainda na primeira cena, o menino mata um policial e é ferido por outro. Febril e alucinando, Querô irá contar-lhe sua história em flashback.
No espetáculo, o repórter, cínico, alerta aos perigos da criminalidade infantil, ao mesmo tempo em que, crítico, revela compaixão pelo caso. Ele traduz não só a voz da imprensa como a perspectiva do público, com quem se acumplicia. Em irônica inversão, esse narrador prioritário torna-se o típico coro da tragédia grega, eco da consciência dos cidadãos, enquanto a massa coral, que se desdobra nos personagens, encarna a ação dramática.
Outro aspecto notável da encenação é a fluidez de seus planos narrativos. A mãe suicida de Querô, visível só na alucinação do filho, interfere fisicamente na ação, com tapas e beliscões contra os policiais que o perseguem. A banda de músicos não só colabora na narração, ilustrando-a, como se confunde com ela, atuando no desenvolvimento dramático.
O repórter, deslocado da condição naturalista de narrador, deixa por vezes de conduzir o relato dando lugar às pulsões de Querô e dos personagens do bordel. Tais estratégias ampliam a dimensão literária do texto e consagram o próprio espetáculo como narrativa.
Diante da proposta de trabalhar com quatro grupos de protagonistas, que, a cada apresentação, alternam-se nos papéis principais, não cabe destacar nenhum ator ou atriz em especial, mas reconhecer-lhes o mérito enquanto coletivo, pela garra e entrega com que se lançam na aventura.


QUERÔ - UMA REPORTAGEM MALDITA

Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h; até 26/4
Onde: Galpão do Folias (r. Ana Cintra, 213, tel. 0/xx/11/3361-2223)
Quanto: R$ 30 (R$ 8 para moradores do bairro)
Classificação: não indicada a menores de 14 anos
Avaliação: bom



Texto Anterior: Música: Nine Inch Nails deve parar após turnê
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.