São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Cabrera Infante inventa sua Lolita em narrativa póstuma

REYNALDO DAMAZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Neste romance publicado postumamente, e em que se vale de muitos elementos biográficos, o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005) parece se divertir com a linguagem da ficção e com a memória.
Já no prólogo de "A Ninfa Inconstante", o autor lança a dúvida aos leitores se o relato de fato ocorreu ou se não passou de invencionice, como "um buraco no meio da realidade", entre a primeira pessoa que vive e a terceira pessoa que narra.
Infante opta pela primeira pessoa do singular para contar as suas, ou do narrador, desventuras com uma ninfeta sedutora pelas ruas de uma Havana às vésperas da revolução que seria liderada por Fidel Castro.
Os "fatos" têm início em junho de 1957, quando o escritor era crítico de cinema da revista "Carteles".
O encontro casual com Estela desnorteia a rotina do narrador Infante, que vivia um casamento enfadonho, e o arrasta para o torvelinho de desejo e loucura.

CADEIAS DE ANALOGIAS
A sensualidade quase selvagem e irresistível da menina desperta naquele intelectual sarcástico um surto de reflexões poéticas ininterruptas, formado por cadeias de analogias literárias, filosóficas e cinematográficas. Descrita como "algo de Alice" ou como "uma versão feminina de Meursault" -personagem emblemático do romance "O Estrangeiro", de Albert Camus (1913-1960)-, Estela aceita o papel de objeto de desejo, só que mantendo um distanciamento "existencialista", afinal, "não estava apaixonada por ninguém, nem por si mesma", como anota o narrador com desesperança.

RELAÇÃO PLATÔNICA
É provável que mais de um leitor se lembre de "Lolita", de Vladimir Nabokov (1899-1977), mas há diferenças entre os dois romances.
Infante estabelece com Estelita, como gosta de chamá-la, uma relação platônica.
Embora presente, o tesão se converte no estopim de uma construção literária ao mesmo tempo refinada e delirante, mais do que propriamente carnal.
O personagem Infante lida com a atração física como uma obsessão estética. O abismo intelectual entre os protagonistas é imenso. Trocadilhos recorrentes e citações incessantes do crítico acabam irritando a menina de origem humilde, criada pela madrasta no subúrbio de Havana.
Para o leitor, tais referências são um deleite.
"A Ninfa Inconstante" não tem o mesmo vigor experimental do melhor romance de Cabrera Infante, "Três Tristes Tigres" (1965), mas a vertigem causada pela cidade labiríntica se mantém, como se pesasse na memória afetiva.
Afinal, é dessa matéria nebulosa que são feitos os grandes romances.

REYNALDO DAMAZIO é é editor e poeta, autor de "Horas Perplexas" (Editora 34)

A NINFA INCONSTANTE
AUTOR Guillermo Cabrera Infante
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Eduardo Brandão
QUANTO R$ 40,50 (232 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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