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LIVROS
LITERATURA
Após "Eles Eram Muito Cavalos", escritor lança dois romances
Para Ruffato, "busca pela felicidade apodrece tudo"
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir trechos da entrevista com Luiz Ruffato, que lança
a "saga" "Inferno Provisório".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Paul Auster disse à Folha
que a única resposta que consegue
ter para os tempos sombrios que
vivemos é o riso. Ele está terminando sua primeira comédia. Seus livros falam de tempos sombrios,
mas por meio do trágico. Nosso
sombrio não comporta o riso?
Luiz Ruffato - Vivemos de fato
tempos sombrios. Mas o sombrio
do Primeiro Mundo é diferente
do nosso. Nas sociedades americana ou européia as questões que
se colocam não são de sobrevivência das pessoas, mas do Estado. Aqui, o buraco é mais embaixo. Não resolvemos questões básicas. Nem mesmo conseguimos
formar um Estado. Não se pode
dizer que o Brasil seja uma democracia, o que exigiria uma sociedade minimamente igualitária,
nem que seja capitalista, já que
mais da metade da população não
tem acesso aos bens de consumo.
Uma reflexão sobre como chegamos aonde estamos não pode ser
feita na chave da comédia.
Folha - Mas a reflexão sobre o
país tem de ser pessimista?
Ruffato - Estou indo de certa forma na contracorrente da literatura contemporânea brasileira. Ela
tende ou para o neo-naturalismo
ou para uma literatura que chamo
de "egótica", muito centrada no
eu. Tento caminhar em outra seara, a da literatura realista, que no
meu entender não é otimista nem
pessimista. Ela estabelece uma reflexão sobre o real a partir do real.
Folha - Você usa como uma epígrafe um poema de Jorge de Lima
que fala de naus que não chegam a
seu destino por terem sua madeira
podre já no tronco das árvores. O
que faz com que os troncos da nossa sociedade nasçam podres?
Ruffato - É do homem buscar a
felicidade. Mas os parâmetros que
o homem encontra hoje são tão
pesados que essa busca pela felicidade esbarra, esbarra, e acaba
apodrecendo tudo. Mina sua moral, sua ética, todo o resto.
Folha - Seu estilo fragmentário é
ligado a esse apodrecimento?
Ruffato - Minha questão é mais
da teoria da literatura. A forma
clássica do romance foi adequada
para resolver problemas do início
da Revolução Industrial. Depois,
ela foi tendo que se adaptar aos
novos tempos, até chegar a Joyce.
O instrumento romance, com começo-meio-fim, não faz sentido
diante da quantidade de informações de hoje, ficou obsoleto.
Minha opção pelo fragmentário
foi uma provocação mesmo.
Quando eu publiquei o "Eles
Eram Muitos Cavalos", muitos
críticos torceram o nariz e disseram "mas isto não é um romance". Também acho que não é. Mas
o que é? Não é um livro de contos.
Quero colocar em xeque estas estruturas. Não quero fazer uma reflexão só sobre a realidade política, mas também questionar por
meio do conteúdo a forma.
Folha - A literatura é provisória
como o inferno é provisório?
Ruffato - Para mim, o inferno
provisório é pior do que se fosse
definitivo. O que é definitivo você
pode pensar como definitivo. Já o
provisório pode piorar. Meu inferno é "provisório" porque a estrutura do romance é provisória,
os livros são provisórios, a própria idéia de Inferno, Céu e Purgatório é colocada em xeque.
Folha - E o Céu não entra na saga?
Ruffato - Não. Se eu acreditasse
nessas instâncias, talvez entrasse.
Mas, como essas instâncias para
mim perderam totalmente o sentido a partir do momento em que
as noções de moral e ética foram
relativizadas, acho que talvez alguém tenha ficado com o Céu,
mas o Inferno é nosso.
Folha - Você se define como um
realista. Sua "saga" terminará como as coisas estão hoje ou como
você imagina que ficarão?
Ruffato - Termina como elas estão hoje. Para mim tudo se resume a uma mera questão: eu não
reconheço o outro, então ele não
existe para mim, logo posso matá-lo, tanto faz. E veja que não estou
falando só do marginal que mata
no farol. Se um deputado não reconhece que exista o outro, vai
roubar. Se o juiz que matou o segurança no supermercado não o
reconhece como gente, pode matá-lo. Em uma sociedade em que o
outro não existe, tudo é possível.
Folha - Quem são seus "outros" literários? Você dialoga com a "Geração 90", da qual tomou parte?
Ruffato - "Geração 90" é um termo que mal ou bem vai compartimentar algo. Não tenho como negar que faça parte da Geração 90
geracionalmente, mas, se pensarmos em termos de corrente, não.
Meu diálogo é com a tradição. Por
mais contraditório que pareça falar em prosa experimental, que é
o que tento fazer, e tradição, não
vejo problemas nisso. Importante
é notar que não estamos inventando nada. Se você pega a literatura feita nos blogs, hoje ela não
avança nada em relação ao que se
fazia nos anos 70.
Digo mais. Para mim, o grande
romance é "Satyricon", de Petrônio. Tudo o que se faz hoje na literatura brasileira contemporânea
como novidade já está lá. E é um
livro do século 1. A mim incomoda ver uma prosa extremamente
bem comportada hoje achando
que está inaugurando algo. Eu
não estou.
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