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14º FESTIVAL DE CURITIBA
TEATRO
"A Caminho de Casa" tem direção de Paulo Moraes
Armazém implode a fé que exclui o outro, em espetáculo de tolerância
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Nos tempos que correm, mira-se mais às alturas do que ao outro.
Um homem ou uma mulher-bomba que se explodem no
Oriente Médio, em nome de seu
Deus, abalam a crença e a capacidade de amar neste planeta. O Rio
de Janeiro parou no dia do seqüestro do ônibus 174, 12 de junho de 2000, com o mesmo espanto com que viu as torres gêmeas caírem em Nova York, em
11 de setembro de 2001.
São ilações que vão pela conversa com o diretor Paulo de Moraes,
sob quase 40 C de uma tarde carioca na Fundição Progresso, na
Lapa, onde fica a sede da Armazém Cia. de Teatro.
O espetáculo "A Caminho de
Casa" (2004), que entra amanhã
na Mostra Oficial do Festival de
Teatro de Curitiba, pretende dar
conta dessas questões tão distantes quanto próximas. A explosão
de um ônibus e o conseqüente engarrafamento numa auto-estrada,
motes dignos do cinema de ação,
são como que transportados para
o espaço cênico para discutir como a fé age sobre o homem atual.
A subversão de tempo e espaço
é uma constante na dramaturgia
da Armazém. Vide montagens
anteriores, como "A Ratoeira É o
Rato", "Alice Através do Espelho", "Da Arte de Subir em Telhados" e "Pessoas Invisíveis", que
convocam outros pontos de vista
do espectador, quer incorporado
à cena, quer na platéia.
"A Caminho de Casa" abre com
animação gráfica de um ônibus
na estrada e seus passageiros (atores interagem com a projeção em
cima de pernas-de-pau, dando a
idéia de que estão nas janelas). Há
um estrondo e, na seqüência, três
histórias entrelaçadas.
Impedidas pelo engarrafamento, pessoas até então desconhecidas, em seis automóveis, são submetidas à convivência por dois
dias, em meio à fome, sede, brigas, amores etc. São eles uma lutadora de telecatch, um legista, uma
noiva atrasada, um professor de
filosofia, um motorista de táxi e
uma manicure.
Os atores contracenam entre os
vãos ou em cima dos veículos
(carcaças cortadas à metade, preservando-se os bancos do motorista e passageiro).
A segunda história é sobre a
amizade entre um velho árabe e
um menino judeu. Eles viajam
dentro de um carro e encontram
caminho alternativo (a tolerância) ao engarrafamento.
Na terceira, há dois planos simultâneos: futuro e passado.
Uma mãe questiona a Deus a fé
que levou o filho à morte. Quatro
adolescentes tentam decidir qual
deles irá se explodir num atentado terrorista pela construção de
uma nova pátria. Mártir.
"A questão do mártir hoje em
dia é muito relacionada à causa
palestina, mas é histórica. Jesus
era um mártir. É uma figura relacionada a todas as religiões. Tanto
o mártir quanto a mãe são arquétipos. Só que ele é um adolescente,
um menino. Isso acontece na
África muçulmana, onde há as
crianças-soldados de alá", diz
Moraes.
A montagem varia do espaço
macro, uma auto-estrada, até o
vazio. Na cena em que questiona a
autoridade de Deus, a mãe molda
um boneco em barro, até que a
imagem se espatifa no chão. "O
que acontece atualmente com o
fundamentalismo é ancestral. O
homem tem a necessidade de
conflito. Esses agrupamentos [em
nome de uma causa, um deus] faz
com que o indivíduo perca a fé no
outro. É disso que eu quero falar",
diz Moraes.
Ele escreveu a peça com o dramaturgo Maurício Arruda Mendonça, que trabalha com a Armazém desde sua criação em Londrina (1987). A companhia está radicada no Rio desde 1998 e acaba de
colocar no ar o seu site, www.armazemciadeteatro.com.br, dentro do projeto de memória que já
lançou três peças em DVD.
Como nas demais montagens
da companhia, os atores foram
decisivos na pesquisa de "A Caminho de Casa". Elaboraram propostas de cena a partir de entrevistas com seguidores e representantes de religiões monoteístas
(judaísmo, cristianismo, islamismo etc). Estão no elenco Patrícia
Selonk, Simone Mazzer, Sérgio
Medeiros, Thales Coutinho, Ricardo Martins, Simone Vianna e
Stella Rabello e outros.
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