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Garotos em guerra
"Fantástico" exibe hoje documentário feito pelo rapper MV Bill e por Celso Athayde sobre jovens que trabalham para o tráfico de drogas em favelas brasileiras
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LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O "Fantástico" desta noite será
tomado por 16 meninos que trabalham para o tráfico de drogas.
O programa da Globo exibirá um
documentário de 58 minutos sobre jovens operários do crime,
marcado por cenas da intimidade
de crianças com metralhadoras,
granadas, maconha e cocaína.
"Falcão - Meninos do Tráfico"
resulta de 217 horas de imagens
captadas pelo rapper carioca MV
Bill e seu empresário, Celso
Athayde, ao longo de seis anos,
em favelas de vários Estados.
Falcão é o nome dado aos que
têm a função de vigiar a favela e
avisar os traficantes quando a polícia ou qualquer outro "inimigo"
se aproximar. "Falcão não dorme,
ele só descansa", explica um deles.
Dos 16 personagens centrais, 15
foram assassinados e
tiveram seus enterros
registrados pelas câmeras. O sobrevivente chegou a ser empregado pelos produtores, mas voltou "à
atividade" e, de acordo com as últimas informações obtidas
por eles, está preso.
O objetivo agora é
encontrá-lo para uma
nova fase de gravações, já que, em 12 de
outubro, Dia da
Criança, "Falcão" será lançado nos cinemas em forma de longa-metragem. Também faz parte do projeto "Meninos do
Tráfico" o lançamento de um livro, amanhã, com os bastidores das filmagens, e de
um CD de MV Bill, em maio.
"Falcão" vai ao ar num momento em que se discute a ocupação
dos morros cariocas pelo Exército
e, por isso, em hora "oportuna",
segundo Athayde. Apesar de ter
sido registrada pelo documentário bem antes disso, a declaração
de um garoto com arma em punho é reveladora: "Pode vir alemão, Aeronáutica, Exército, Marinha, o que for, que nós "vai" cair
pra dentro. Nós "tem" que proteger os moradores, nosso morro,
nossa favela". A cena está num
trecho de três minutos ao qual a
Folha teve acesso.
Segundo Athayde, a média de
idade dos garotos retratados em
"Falcão" é de 16 anos, 90% deles
não têm pai e já têm filhos. "Isso
quer dizer que, como os meninos
já morreram, essas crianças também não terão pais. Estamos vivendo um genocídio."
Voz infantil
Os meninos estão à vontade
diante da câmera de Bill, que já foi
"do ramo" e diz ter sido "salvo"
pelo hip hop, e de Athayde, também membro da comunidade. A
eles, os garotos respondem sem
medo aparente sobre propina à
polícia, assassinatos, drogas, vida
e morte. Com voz ainda infantil,
pronunciam frases como "Nunca
fico triste com nada, sempre tô
"se" drogando", "Quando crescer,
quero ser bandido" e "A realidade
da vida é que o bagulho é doido".
O material é legendado e traz a
tradução de gírias, como "arrego
= propina". Algumas poucas cenas foram gravadas em câmera
VHS, mas a maioria é digital. Os
ambientes são escuros e, em razão
do risco, nada foi feito com grandes equipes, como as da TV.
Em alguns casos, os próprios
meninos registravam imagens ou
colaboravam com a produção ao
posicionar o microfone de lapela
em suas metralhadoras.
O documentário não tem narração, e o "Fantástico" exibirá na seqüência os 58 minutos (metade
da duração do programa, descontando os comerciais). Serão três
blocos, cortados apenas por intervalos e não por outras reportagens. Há 33 anos no ar, o dominical jamais dedicara tanto espaço a
uma produção independente.
Desentendimento
O documentário é o mesmo
que, em 2003, foi objeto de desentendimento entre os produtores e
a Globo (a nova versão tem apenas o acréscimo de mais três minutos). Bill e Athayde haviam autorizado a emissora a veicular o
material, editado em parceria
com a equipe do "Fantástico".
A exibição chegou a ser divulgada na TV no domingo anterior e
em anúncios de jornais. Mas, às
vésperas do programa, o rapper e
seu empresário suspenderam a
autorização, alegando "questões
de foro íntimo". À época, especulou-se que teriam recebido ameaças de traficantes e que houve divergências em relação à edição.
Em nota, a Globo falou em "enorme prejuízo financeiro e moral".
Três anos depois, Athayde dá a
sua versão: "As pessoas começaram a imaginar uma série de coisas, mas não foi nada mais do que
a emoção do Bill em relação às
mortes dos jovens e a incerteza de
que aquele era o momento exato".
Segundo Athayde, em 2003, "o
documentário iria ao ar e nada
mais iria acontecer". "A gente ia
ficar famoso e só. Seria um gesto
irresponsável. Hoje estamos preparados para argumentar e fazer
o país refletir de maneira mais objetiva sobre o assunto."
Para ele, apesar do prejuízo financeiro mencionado pela Globo,
"essa não é uma questão de negócio, mas de contribuição ao entendimento da realidade das favelas". Athayde afirma que a Cufa
(Central Única das Favelas), entidade da qual Bill é líder, absorverá
os lucros com o projeto "Falcão"
(a exibição no "Fantástico" não
será paga, segundo eles, mas o faturamento virá com a venda do livro, do CD e com o cinema).
Desta vez, a emissora se cercou
de cuidados para não colocar novamente em jogo o nome de um
de seus programas de maior audiência, com mais de 24 milhões
de telespectadores no Brasil.
Apesar de Luiz Nascimento, diretor do "Fantástico", afirmar
desconhecer a existência de um
contrato, Athayde revelou à Folha
que ele e MV Bill assinaram um
compromisso de exibição.
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