São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

"Cidadão Brasileiro" e a identidade nacional

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Começou bem a nova novela da Record, "Cidadão Brasileiro". A audiência foi OK (não ótima, não tem conseguido "segurar" o que recebe de "Prova de Amor"), tem produção que acerta (mas erra também) e, ah, é uma novela de Lauro César Muniz, ao fim e ao cabo.
Muniz, nos anos 70, na Globo, escreveu alguns dos roteiros mais instigantes do período, como "O Casarão" e "Escalada", e, na virada dos anos 80/90, criou "O Salvador da Pátria". É quase que o autor canônico do falecido padrão Globo de qualidade: tem perfeito domínio da narrativa melodramática, intuição para captar tipos humanos e perspicácia para dar um sentido histórico às sagas individuais.
Levou para Record o mesmo ímpeto, ao criar uma novela que se desdobra por 50 anos da história do Brasil e por três cidades (São Paulo, Brasília e a fictícia Guará).
A Record, na arrancada "rumo à liderança", garante minimamente as condições necessárias para a história emplacar.
O que tem cheiro de dar errado em "Cidadão Brasileiro" é a ambição da história e a intenção bastante clara de, por meio do protagonista Antônio, ensaiar uma interpretação das questões nacionais do últimos 50 anos.
O herói, ambíguo como convém nos dias de hoje, é talhado para representar o sujeito na luta pela ascensão social em um país refratário a qualquer projeto de construção que dure tempo o suficiente para se realizar.
Tudo isso parece muito interessante, e é, mas talvez não haja mais lugar na novela para uma história que exija tanto fôlego e dedicação. Não por uma questão de má educação (ou má vontade) da audiência, que acaba sendo culpada de tudo, mas por que, talvez tenha simplesmente se esgotado esse modelo.
De certo modo, a possibilidade de a novela oferecer um espaço imaginário de construção da identidade nacional talvez tenha se estreitado, se estiolado e, por fim, sido transferida para as minisséries paradidáticas. Como hipótese, talvez essa possibilidade só tenha podido existir plenamente quando havia um grupo de produtores/autores mais ou menos homogêneo em termos geracionais, que tenha partilhado cenários culturais mais coesos. A ver.
Muniz, entretanto, não é bobo e já se prepara para enfrentar as vicissitudes da audiência com humor (meio fácil, por ora) e, claro, sexo, num nível de ousadia inaudito para a emissora.
Agora, alguém precisa dizer a Lucélia Santos que interpretar uma balzaca (de 50, segundo o site da novela) meio vigarista, meio misteriosa, com voz de Lolita é um pouco bizarro. Gabriel Braga Nunes, carismático no papel de homem comum, é uma espécie de surpresa. E, talvez, gente como Paloma Duarte, que nunca foi muito bem aproveitada na Globo, encontre seu lugar ao sol na Record.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


Texto Anterior: Nas lojas
Próximo Texto: Novelas da semana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.