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Ordem ao caos
Sob direção de Aderbal Freire-Filho, Drica Moraes leva monólogo sobre mulher obsessiva ao Festival de Curitiba
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Numa tarde de sábado, Aderbal Freire-Filho recebe a reportagem em seu apartamento,
em Ipanema. Perto do computador, ao lado do sol da janela,
notam-se fotografias em preto-e-branco da casa de Bertolt
Brecht em Berlim, que ele conheceu há pouco. E a estante
com os livros aos quais o diretor recorre, em vários momentos, para citar um possível futuro romance-em-cena, como "O
Púcaro Búlgaro", de Walter
Campos de Carvalho (1916-98),
levado integralmente ao palco.
Em cartaz com "As Centenárias", no teatro Poeira (Botafogo), Freire-Filho conversa com
a Folha sobre "Hamlet" -previsto para junho em SP, com
Wagner Moura- e "A Ordem
do Mundo", monólogo com
Drica Moraes cuja pré-estréia
será no Festival de Curitiba,
que começa amanhã -os ingressos para a peça, dias 28/3 e
29/3, estão esgotados; a organização estuda abrir sessão extra.
A profusão tem a ver com a
natureza inquieta desse pensador e praticante do teatro, um
ofício de 35 anos que constrói e
demole ao mesmo tempo. "O
teatro se reinventa a todo momento. Pode parecer presunção quando já houve Shakespeare, mas é preciso reinventá-lo com olhos "despreconceituosos'", diz Freire-Filho, 66.
É o que deseja ao montar
"Hamlet", peça que ensaia e co-traduz nestes dias. "Não para
mostrá-la de novo, mas como
se fosse pela primeira vez, passando por todos os labirintos
que nos levem ao inesperado."
A parceria com Moura o entusiasma (trabalharam juntos
em "Dilúvio em Tempos de Seca", 2004). "Ele está no momento certo para fazer Hamlet,
na idade, na carreira, na relação com o teatro e a sociedade.
Ele precisa ser o Hamlet", diz.
Acredita que o desafio para o
ator é redobrado quando ainda
se tem na retina o impacto da
interpretação do capitão Nascimento em "Tropa de Elite".
Especialista em caos
Freire-Filho vê os passos iniciais na concepção da tragédia
coincidirem com o primeiro
vôo cômico, mas não menos
dramático, de "A Ordem do
Mundo", peça de Patrícia Melo
defendida por Moraes, 38. "Ele
é uma parabólica sensitiva", diz
a atriz sobre o trabalho com o
diretor em seu primeiro monólogo. Co-fundadora da Cia. dos
Atores, ela transita pela TV e
agora experimenta interpretação das mais áridas.
"Meu negócio é conteúdo",
diz a personagem Helena, empregada de uma misteriosa
central. Num espaço fechado,
envolta por pilhas de jornais,
seu trabalho é ler notícias, contextualizá-las e emitir parecer
técnico que dê conta dos mecanismos da realidade lá fora.
"Ela é especialista em caos
mundial, uma missão impossível", diz Moraes. Helena expressa opinião sobre os mais
variados assuntos, como comportamento, ciência, liberdade,
justiça e beleza, entre outros,
certa de que age objetivamente,
desconsiderando as variações
da sua personalidade, o mau
humor recorrente, o namorado
que não lhe dá bola, o filho que
está a bordo de um barco em algum lugar do planeta.
"Seu projeto de independência cai por água quando esbarra
no vazio, na perplexidade da vida. Ela capota", diz Moraes. A
personagem tem como interlocutor um "senhor da central"
invisível, mas a atriz sabe que
sua relação será com o olhar da
platéia, que não será desviado
em meio ao fluxo narrativo.
Para Freire-Filho, que já havia dirigido outro texto de Melo, "Duas Mulheres e um Cadáver" (2000), Helena encerra
vetores do futuro e reminiscências do passado, o que a torna
próxima e, depois, distante.
"Ela é a mulher livre de hoje,
que encontrou seu espaço, independência, que pôs sabedoria e talento contra todos os
preconceitos nossos, masculinos. Mas que também enfrenta
angústias, a solidão, a dificuldade em conciliar os compromissos, inclusive a relação com o filho, no caso da peça", diz o diretor. Ele, sim, faz do equilíbrio
nos compromissos palavra de
ordem numa arte em que conflito é matéria-prima.
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