São Paulo, sábado, 19 de março de 2011 |
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CRÍTICA ANTOLOGIA Coletânea recupera desafios da obra de Gabriela Mistral "En Verso y Prosa" aponta necessária revisão sobre a escritora chilena LAURA JANINA HOSIASSON ESPECIAL PARA A FOLHA A leitura de Gabriela Mistral (1889-1957) é um desafio ainda não superado. Não só no Chile como também no restante da América Latina, ela padece de uma das piores desgraças dos chamados "clássicos": todo mundo a conhece, mas ninguém a lê. Sua sina foi ter sido lida durante anos -à revelia dela mesma, como suas cartas o testemunham- como a professorinha rural e freira laica, cujos poemas recheiam livros didáticos e que uma crítica ingênua se encarregou de reduzir a puro mel de colmeias bíblicas. Por outro lado, quanto à figura pública, não resta dúvida sobre a personalidade forte e instigante de Mistral. Pelo mundo afora por onde andou e do alto do seu 1,80 m, seduziu multidões. No México, José Vasconcelos, Alfonso Reyes, Rosario Castellanos e Octavio Paz; na Argentina, Victoria Ocampo e Guillermo de Torre; no Brasil, onde permaneceu entre 1939 e 1945, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Henriqueta Lisboa, Cecília Meireles e tantos outros se encantaram "com esse gosto bravio, suave mas nítido e impregnante de sua presença", em palavras de Mário de Andrade. De alguma maneira, as ambiguidades na poesia de Mistral, seus diálogos intensos e polêmicos com a fé religiosa, a solidão, o amor romântico, seu erotismo ora subliminado ora escancarado, sua aposta na bondade e na humanidade, as máscaras com que o "eu" poético se transveste de poema para poema, conectam-na de modo nítido com Soror Juana Inês de la Cruz, a grande poeta mexicana do século 17. Também como ela, sofreu as inclemências dos ventos das sucessivas leituras de que tem sido objeto: após a recepção naïf e a oficial antes e depois do Nobel, houve ao menos duas décadas de triste silêncio ao seu redor, salvo raras exceções. LIMBO Paradoxalmente, o Prêmio Nobel de 1945 contribuiu para esse vácuo ou limbo aonde foi relegada pela crítica. Aqueles que pensam que o Nobel tenha sido alguma vez isento de prerrogativas políticas e conjunturais, julgaram que havia poetas superiores a ela no continente (tratava-se do primeiro Nobel na América Latina!), e tinham razão. Nem é preciso dar nomes... Mas que Mistral tem valor poético, não resta menor dúvida. Basta reler um poema como "Gestos", do livro "Tala", para perceber a complexidade e o notável domínio do ofício poético, da língua e das imagens a serviço da expressão de sua tumultuada crise espiritual. O feminismo dos anos 1980 a revisitou com certo fervor ideológico, alimentado em parte pela sua opção homossexual, mas, só recentemente, a partir de esforços analíticos para entrar na tessitura dos poemas, os aspectos de sua biografia têm sido postos em segundo plano. Seu diálogo original e intenso com a língua começa a se mostrar numa obra que alcança com "Tala" (1938) e depois com "Lagar" (1954) sua máxima expressão. Foram ao todo quatro livros publicados em vida, começando com "Desolación" e "Ternura" (1922 e 1924, respectivamente), reescritos a cada nova edição. Temos em mãos uma nova edição comemorativa, uma antologia organizada por Cedomil Goic para a editora Alfaguara, com a participação de vários estudiosos mistralianos em associação com as academias da língua espanhola. Alguns dos ensaios, ao lado de toda a poesia e parte de sua prosa, apontam para uma necessária revisão da leitura de Mistral. Esperemos que o público brasileiro possa ter pronto acesso a essa grande obra com tradução à altura das já feitas, entre outros, por Manuel Bandeira e Cecília Meireles. LAURA JANINA HOSIASSON é professora de literatura hispano-americana na USP EN VERSO Y PROSA - ANTOLOGÍA AUTORA Gabriela Mistral EDITORA Alfaguara (importado) QUANTO R$ 38 (758 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Raio-X: Carlos Nejar Próximo Texto: Livros: Ficção Índice | Comunicar Erros |
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