São Paulo, sábado, 19 de março de 2011

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Artistas boicotam novo Guggenheim em Abu Dhabi

Denúncias sobre violação de direitos de operários ganham ressonância; museu e governo não comentam

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A ABU DHABI

Todo o silêncio na ilha de Saadiyat, em Abu Dhabi, contrasta com o ruído em torno da construção da filial árabe do Guggenheim que começa a tomar forma ali.
Orçado em R$ 1,3 bilhão, o megaprojeto do arquiteto Frank Gehry enfrenta uma onda de denúncias de violações de direitos dos operários na construção, muitos deles impedidos de deixar a obra.
Nos últimos dias, essas queixas foram além do canteiro de obras, com um manifesto encabeçado pelo artista libanês Walid Raad, um dos maiores nomes no circuito global, que está liderando um boicote por parte dos artistas ao novo Guggenheim.
"Essas violações, que ameaçam manchar a reputação do Guggenheim, são um desafio moral para qualquer artista que trabalha com o museu", escreveu Raad. "Nenhum artista deve expor num prédio construído por trabalhadores explorados."
Seu abaixo-assinado já teve mais de 130 adesões, entre elas as de artistas de peso, como a iraniana Shirin Neshat, a libanesa Mona Hatoum, o alemão Harun Farocki, a palestina Emily Jacir e o indiano Amar Kanwar.
Tem ressonância ainda maior o protesto nesta semana em que o mundo da arte se reúne nos Emirados Árabes para a Art Dubai, maior feira na região, e a Bienal de Charjah, no emirado vizinho.
Raad é um dos artistas dessa bienal, que tem curadoria de Suzanne Cotter, atual chefe do projeto do Guggenheim em Abu Dhabi. Procurada pela Folha, ela não quis comentar o teor do manifesto.
Em Dubai, o diretor do Guggenheim disse ao jornal "The New York Times" que visitou o alojamento dos operários e que não via problemas com as condições deles.
Segundo um estudo da ONG Human Rights Watch, os operários, em grande parte imigrantes de países como Índia e Paquistão, têm os passaportes confiscados até que paguem taxas ilegais cobradas pelos recrutadores.
Procurados para comentar as denúncias, representantes do Guggenheim, em Nova York, e porta-vozes do governo de Abu Dhabi não quiseram se manifestar.
Estiveram anteontem na ilha onde será construído o museu o artista indiano Amar Kanwar e a curadora espanhola Chus Martínez. Tentaram, como a Folha, visitar as obras, mas foram barrados por funcionários da agência do governo responsável pelo projeto.
Isolado num canto da ilha de Saadiyat, o novo Guggenheim não passou das fundações e já teve a data de inauguração adiada de 2013 para 2015, depois que obras foram quase paralisadas com a recente crise econômica.

DESCAMPADO
Feito de cones gigantes, o museu de Gehry dividirá a ilha com uma filial do Louvre -desenho de Jean Nouvel-, outro museu projetado por Norman Foster, um teatro de Zaha Hadid e um aquário do japonês Tadao Ando.
Também está nos planos a construção de complexos imobiliários, hotéis e campos de golfe. No total, são obras de R$ 170 bilhões que devem sair do papel só em 2020.
Mas, por enquanto, o projeto de Saadiyat, alardeado em anúncios por toda a capital dos Emirados Árabes Uni dos, não passa de um descampado estorricado, rodeado de um mar azul que deve virar balneário de luxo.
Atrás de grades de arame farpado, operários trabalham em ritmo desacelerado desde a pior fase da crise. Projetos como o teatro e o aquário já não têm data de abertura e alguns planos foram mesmo descartados.


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