São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2000


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DANÇA CRÍTICA

Balé da Holanda é um artefato por natureza

INÊS BOGÉA
especial para a Folha

Artefato: palavra que vem do latim e significa literalmente "feito com arte", ou "qualquer objeto manufaturado". É a justa descrição para "Artifact II", de William Forsythe, dançado na abertura do programa do Balé Nacional da Holanda, domingo no Teatro Municipal.
A arte vem à luz sem disfarce: mas a exposição dos gestos, a nudez de tudo, transfere a dança, paradoxalmente, para o domínio do arrebatamento. Virtuosísticos, precisos, os bailarinos da companhia foram comovedores, do início ao fim da tarde, tanto pelo que dançaram quanto pela própria expressão da dança que eles encarnam.
A nudez de meios começa no palco, com torres de refletores aparentes, sem coxias, um espaço aberto que deixa visualizar toda a construção do fundo do palco. O coreógrafo desenha o espaço com os corpos: a origem do movimento não está num determinado ponto, ou num centro, mas em qualquer parte do corpo. O que interessa a Forsythe é o instante da articulação: a desestabilização, ou descentralização do movimento, espetacularmente realizada pelos dois duos solistas.

Corpos
Uma figura negra, no centro do conjunto, dá o modelo de gestos simples, cortados, braços e pernas abrindo e fechando em ângulos retos para o corpo de baile, que aqui é também um cenário, ou pintura abstrata de corpos. Que visão estranha para a "Chaconne para Violino" de Bach, mas a "Chaconne" nunca mais será a mesma para quem assistiu a essa coreografia.
Muitas cenas são interrompidas pela descida precisa da cortina preta, na frente do palco, que bate no solo acompanhando a música. São cortes da continuidade, que fazem pensar numa edição de vídeo ou filme.
Forsythe domina sua própria imaginação com virtuosismo comparável ao dos bailarinos; e sua originalidade teve um curador exemplar em Wayne Eagling, diretor do balé.

Beethoven e Stravinski
Em "Adagio Hammerklavier", a música de Beethoven (interpretada ao vivo por Michail Moeratstj) serve de base à coreografia do holandês Hans Van Manen. É um balé lírico, três duos que convivem e se alternam no palco, na melhor tradição do neoclassicismo.
É bonito, delicado, plástico, virtuosístico. Um interlúdio tranquilo, lindamente dançado, entre as exaltações angulosas de Forsythe e as levezas de seu mestre Balanchine (1904-83), autor da última coreografia do programa.
O "Concerto para Violino", com música de Stravinski, é uma criação de 1972. Na dança, aqui, como na música de seu compatriota, o sentido do movimento não está nunca fora de si mesmo. Linhas alongadas, uso extensivo do espaço, sem cenários luxuosos, iluminação e figurinos simples, que deixam as linhas do corpo à mostra: a dança em si é o enredo, o que não significa ausência de humor e sentimento.

Balanchine
O Balé Nacional da Holanda divide com o New York City Ballet a responsabilidade de zelar pelo legado de Balanchine. Ninguém poderia zelar melhor.
O espetáculo vai da frente para trás; mas a lembrança, de trás para frente. Balanchine foi uma alegria. Van Manen uma beleza. Mas é o Bach de Forsythe que marca, mesmo, essa tarde como uma grande tarde da dança.


Inês Bogéa é bailarina do Grupo Corpo

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