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DANÇA CRÍTICA
Balé da Holanda é um artefato por natureza
INÊS BOGÉA
especial para a Folha
Artefato: palavra que vem do latim e significa literalmente "feito
com arte", ou "qualquer objeto
manufaturado". É a justa descrição para "Artifact II", de William
Forsythe, dançado na abertura do
programa do Balé Nacional da
Holanda, domingo no Teatro
Municipal.
A arte vem à luz sem disfarce:
mas a exposição dos gestos, a nudez de tudo, transfere a dança, paradoxalmente, para o domínio do
arrebatamento. Virtuosísticos,
precisos, os bailarinos da companhia foram comovedores, do início ao fim da tarde, tanto pelo que
dançaram quanto pela própria
expressão da dança que eles encarnam.
A nudez de meios começa no
palco, com torres de refletores
aparentes, sem coxias, um espaço
aberto que deixa visualizar toda a
construção do fundo do palco. O
coreógrafo desenha o espaço com
os corpos: a origem do movimento não está num determinado
ponto, ou num centro, mas em
qualquer parte do corpo. O que
interessa a Forsythe é o instante
da articulação: a desestabilização,
ou descentralização do movimento, espetacularmente realizada pelos dois duos solistas.
Corpos
Uma figura negra, no centro do
conjunto, dá o modelo de gestos
simples, cortados, braços e pernas
abrindo e fechando em ângulos
retos para o corpo de baile, que
aqui é também um cenário, ou
pintura abstrata de corpos. Que
visão estranha para a "Chaconne
para Violino" de Bach, mas a
"Chaconne" nunca mais será a
mesma para quem assistiu a essa
coreografia.
Muitas cenas são interrompidas
pela descida precisa da cortina
preta, na frente do palco, que bate
no solo acompanhando a música.
São cortes da continuidade, que
fazem pensar numa edição de vídeo ou filme.
Forsythe domina sua própria
imaginação com virtuosismo
comparável ao dos bailarinos; e
sua originalidade teve um curador exemplar em Wayne Eagling,
diretor do balé.
Beethoven e Stravinski
Em "Adagio Hammerklavier",
a música de Beethoven (interpretada ao vivo por Michail Moeratstj) serve de base à coreografia
do holandês Hans Van Manen. É
um balé lírico, três duos que convivem e se alternam no palco, na
melhor tradição do neoclassicismo.
É bonito, delicado, plástico, virtuosístico. Um interlúdio tranquilo, lindamente dançado, entre as
exaltações angulosas de Forsythe
e as levezas de seu mestre Balanchine (1904-83), autor da última
coreografia do programa.
O "Concerto para Violino",
com música de Stravinski, é uma
criação de 1972. Na dança, aqui,
como na música de seu compatriota, o sentido do movimento
não está nunca fora de si mesmo.
Linhas alongadas, uso extensivo
do espaço, sem cenários luxuosos, iluminação e figurinos simples, que deixam as linhas do corpo à mostra: a dança em si é o
enredo, o que não significa ausência de humor e sentimento.
Balanchine
O Balé Nacional da Holanda divide com o New York City Ballet a
responsabilidade de zelar pelo legado de Balanchine. Ninguém
poderia zelar melhor.
O espetáculo vai da frente para
trás; mas a lembrança, de trás para frente. Balanchine foi uma alegria. Van Manen uma beleza. Mas
é o Bach de Forsythe que marca,
mesmo, essa tarde como uma
grande tarde da dança.
Inês Bogéa é bailarina do Grupo Corpo
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