São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2001

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MÚSICA

Casquinha, 78, e Guilherme de Brito, 79, lançam CDs; Jards Macalé, 58, homenageia Moreira da Silva

Samba dos bambas ganha nova chance em discos inéditos

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL


Há moçada nova no pedaço. Beirando os 80 anos, o mangueirense Guilherme de Brito e o portelense Casquinha comemoram a novidade (eles próprios dizem que não esperavam mais) de poderem gravar discos inéditos, em esquema de luxo e rigor.
Une-se aos dois o "nova velha-guarda" (o termo é dele) Jards Macalé, 58, que dedica disco inteiro ao mestre da malandragem Moreira da Silva (1902-2000), outro com quem as gravadoras já não queriam mais conversa.
"Samba Guardado" (de Guilherme), "Casquinha da Portela" e "Macalé Canta Moreira" chegam juntos por iniciativa da nova Lua Discos e do sambista Moacyr Luz, coordenador dos projetos e produtor dos três álbuns.
A paulistana Lua é dirigida pelo também compositor Thomas Roth, 49, que festeja abrigar tanta história sob seu selo, mas não quer se caracterizar como editor de samba ou velha-guarda.
"Quero constituir um pólo fomentador de arte e preservação de memória, não importa se os artistas são antigos ou novos", diz Roth, que lançou há pouco o segundo disco da nova baiana eletrônica Rebeca Matta e prepara trabalhos dos veteranos pouco conhecidos Virgínia Rosa, Filó Machado e Simone Guimarães.
Do lado dos "antigos", Casquinha, 78, comanda a novidade. "Casquinha da Portela" é o primeiro trabalho solo desse integrante histórico da Velha Guarda da Portela, desde há muito parceiro de discípulos seus como Paulinho da Viola, Candeia e Zeca Pagodinho ("em todo disco do Zeca eu participo do coro", constata).
"Vou ser sincero: eu já não esperava por essa oportunidade. Estou cansadão, velhusco. Quando me convidaram eu não queria, porque pouco falta para eu fechar o paletó. Mas fui convencido e estou satisfeitíssimo. De saúde é que não estou muito bom, mas acho que não é sério, é coisa de velho."
Guilherme de Brito, 79, parceiro histórico de Nelson Cavaquinho, traz discurso parecido no bolso e fala das participações dos "jovens" Luiz Melodia e Cássia Eller em seu disco: "Eles não são jovens, são veteranos. Jovens, só na idade. Têm mais estrada do que eu. Melodia quando entra encobre minha voz. Mas tudo bem, nós ficamos amigos".
E conclui, autocrítico: "Estou muito feliz, pena que tenha acontecido tão tarde. Já cantei bem melhor que isso, minha voz já foi melhor. Fiz o melhor que podia".
O produtor Moacyr Luz dá o tom geral do projeto, ressaltando a presença dos convidados "de vanguarda" e o volume de sambas inéditos reunidos nos álbuns de Guilherme e Casquinha:
"Ando pelos botequins e vejo caras de 79 anos sacando músicas clássicas junto com mais um punhado de inéditas. Isso incomoda, como é que pode? Só eu vou conhecer? A Lua Discos faz parte de uma nova mentalidade, tenho enorme esperança no futuro da MPB. Precisamos de novos casquinhas e guilhermes, precisamos conhecê-los para saber disso."
Adianta-se: "Quis retomar com eles a religiosidade do LP, as 12 músicas que sentávamos para ouvir com atenção, uma após a outra. Fiz três discos de 12 faixas, não acredito nos 72 minutos de música de um CD, acho que dispersa".
À parte (mas nem tanto) da noção geral do projeto de reconhecimento em vida de nomes hoje jogados a escanteio, Jards Macalé retoma a vertente do samba de malandragem carioca, homenageando um autor e intérprete de quem foi amigo desde os anos 70 até sua morte (uma parceria dos dois, "Tira os Óculos e Recolhe o Homem", está incluída no CD).
"Era uma coisa que já estava na minha cabeça fazia muito tempo, mas a idéia de concretizar foi do Moacyr. Eu vinha da linha de Moreira, num caminho paralelo, com elementos de humor. Não sou só isso, nem ele era. Acho até que a história do malandro afastou o grande cantor que ele era, na linhagem de Orlando Silva. Procurei fazer tudo ao mesmo tempo, não sair do barato do Moreira nem da minha inventividade."
Contando com a participação de Zeca Baleiro, ele fala do anúncio não concretizado da presença do rapper Marcelo D2: "D2 não apareceu no dia da gravação. Mas como ele já havia desaparecido outras vezes, com outras figuras, nem me preocupei", brinca.
Para concluir, Macalé se diz à vontade metido entre os da "velha nova guarda": "Sempre andei no meio de bambas. Os velhinhos (como eu) estão entusiasmadíssimos. Não é um projeto saudosista, é a afirmação de um som brasileiro de altíssima qualidade musical e poética". Falou, bicho.


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