São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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Clarice é pop

Tema de recém-lançada fotobiografia, Clarice Lispector supera cem comunidades no Orkut e é tema de blogs e vídeos no YouTube

Divulgação
Clarice Lispector em foto tirada em Berna, Suíça, em abril de 1946

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Toda estrela que se preze já ganhou biografia não-autorizada ou álbum de fotos de sua carreira. Com Clarice Lispector (1920-1977) não poderia ser diferente. "Clarice - Fotobiografia" (Imprensa Oficial; R$ 90, 656 págs.), livro com 800 imagens, muitas delas inéditas, reforça o apelo extraliterário, o "star quality" da autora de "A Paixão Segundo G. H.", cujos traços singulares muitas vezes pareciam ecoar a estranheza de seus próprios livros.
Esse apelo é reconhecível sobretudo entre os jovens, cujo fascínio por Clarice tem um forte termômetro na internet. O site de relacionamentos Orkut, por exemplo, tem 103 comunidades dedicadas a Clarice. Ali, a escritora bate os poetas Carlos Drummond de Andrade (77) e Manuel Bandeira (58), com grupos chamados "Clarice Lispector sexy!" ("para quem acha Clarice a escritora mais sexy da literatura brasileira!") ou "Clarice Lispector me dá tesão!" ("como se não bastasse ela ser inteligente, tinha que ter essa boca e esses olhos?").
Na blogosfera, não é diferente. Há seis meses, a estudante Keidy Lee Costa, 19, administra, do Rio Grande do Norte, o blog claricelispector.blogspot.com, que chega a ter mais de 4.700 visitas diárias. Para a estudante, a recém-lançada fotobiografia tem "800 novas maneiras de tentar entendê-la e de se apaixonar ainda mais", pois, "quando se olha nos olhos de uma foto de Clarice, a sensação que se tem é de mistério".

Imagem a favor da obra
Autora do livro "Clarice -Uma Vida que se Conta", a professora da USP Nádia Bat- tella Gotlib, que organizou a fotobiografia, diz que não pensou no "estrelato" de Clarice, e sim na história da literatura por trás das fotografias. Gotlib acredita que o apelo entre os jovens se dê pela capacidade de Clarice de traduzir traços da personalidade humana, sobretudo em fase de formação e em ritos de passagem.
"Ela possuía uma capacidade de fisgar o leitor em pontos sensíveis. E o adolescente está com a sensibilidade à flor da pele, tem uma percepção lisérgica das coisas", diz a professora, numa referência ao escritor Hélio Pellegrino (1924-1988), para quem Clarice tinha uma "personalidade lisérgica". Gotlib também reconhece que a figura da escritora é forte e encantadora. Mas ressalva: "É uma imagem a favor da literatura, porque instiga a pessoa a ler a sua obra".

Clarice é emo?
Outro altar de celebração da imagem de Clarice é o YouTube, em que uma busca pelo nome da escritora gera mais de 170 resultados, entre eles videopoemas em sua homenagem e trechos da última entrevista que ela concedeu, em 1977, à TV Cultura.
Após ver uma passagem da tal entrevista em que Clarice comenta que seu conto "O Ovo e a Galinha" era um mistério para ela mesma, uma leitora do blog Ovos Não Voam chegou a comentar: "Clarice Lispector é emo!", referindo-se ao lado "emotional hardcore" (emocionalmente pesado) da escritora.
Fã de Clarice, a estudante Fernanda Markus, 17, também parece identificar a tal faceta "hardcore": "Ela atrai os jovens porque era confusa, vivia num mundo de paradoxos em que nós, jovens, também vivemos. Ler Clarice parece um remédio para tanto desconforto".
Autora do perfil "Clarice Lispector" (Publifolha), Yudith Rosenbaum acredita que a obra de Clarice seja uma literatura de iniciação de adolescentes, mais "abertos" ao que a escritora chamava de "experiência de contato" de seus textos.
Rosenbaum, no entanto, não concorda que a fotobiografia estimule a idolatria ou celebre o lado "pop" da autora. Para ela, "o livro mostra faces novas da escritora e renova o quadro de imagens já estabelecido sobre ela. Tudo se mostra mais contextualizado e inter-relacionado, criando condições para uma apreciação menos idealizada e mais fundamentada sobre a trama vida/obra de Clarice".

Amor antigo
Há quem discorde. O poeta Ferreira Gullar, colunista da Folha, diz que foi "vítima" da beleza de Clarice na sua juventude. Gullar tem até hoje uma foto da musa, recortada de uma revista, sobre uma estante. Ele conta que, quando a conheceu, em 1954, na casa da escultora Zélia Salgado, ficou impressionado com a beleza exótica da mulher de "traços asiáticos, pomos saltados e olhos oblíquos".
"Não por acaso se faz um álbum assim com Clarice. É justamente porque ela é uma mulher bonita e misteriosa. Clarice tem algo raro, a beleza estranha, diferente da brasileira, que se junta ao talento, também fora do comum, um talento estranho, indagador de coisas que não têm respostas. Vai ser assim pro resto da vida."


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