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Livros - Crítica/"Flannery O'Connor - Contos Completos"
Contos de O'Connor lembram racismo e mundo em decadência
Edição inédita reúne todas as narrativas curtas da americana Flannery O'Connor
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Cerca de dez anos foi o
tempo necessário para
que Flannery O'Connor (1925-1964) deixasse sua
marca no campo das letras. Da
estréia com "Sangue Sábio"
(1952) ao póstumo "Tudo que
Sobe Deve Convergir" (1965),
foram dois romances e quatro
coletâneas de contos -e, a despeito da excelência dos primeiros, foi com os últimos que ela
mais se destacou.
Com isso, pode-se avaliar a
importância deste lançamento,
que reúne, pela primeira vez no
Brasil, a integralidade dos contos escritos pela autora. Mas, se
Flannery tem lugar cativo no
campo literário, isso não quer
dizer que este seja destacado.
No Brasil, o panteão dos escritores sulistas americanos parece tomado por nomes como os
de William Faulkner, Truman
Capote ou mesmo de Carson
McCullers.
Prosa simples e direta
E, se a afirmação contida no
posfácio do escritor Cristovão
Tezza, de que Flannery é "curiosamente mais moderna que
Faulkner", não pode ser aceita
sem discussão, deve-se conceder que a prosa mais simples e
direta da escritora hoje angarie
maior apelo junto ao público do
que a do autor de "O Som e a
Fúria".
Como Faulkner, seu cenário
é o das pequenas e maiores cidades, e das propriedades rurais do sul dos Estados Unidos.
Como ele, tematiza o fracasso e
a frustração. Mas, ao contrário
dele, não demonstra simpatia
pelos derrotados.
Violência e riso
Ao falar das histórias de sua
coletânea "Um Homem Bom É
Difícil de Encontrar", cujos
protagonistas por vezes encontram um fim violento, a contista afirmou que elas a faziam rolar de rir. E é provável que façam o mesmo com o leitor, até
o espanto e o terror lhe roubarem o riso.
Não há como separar a mofa
da tragédia em suas histórias,
pois é essa combinação que
lhes empresta sua qualidade
única. O universo de que ela
trata é o de um mundo decadente, com a ameaça de algo
impreciso sempre pairando no
ar, mas seus heróis são em geral
ridículos, e o desenlace costuma ser desconcertante.
Racismo
Tome-se o conto "Revelação", em que uma fazendeira
gorda e racista (o racismo velado ou ostensivo é um dos temas
mais enfocados pela autora) leva, sem motivo aparente, uma
livrada na testa. Atônita, ela
ainda ouve sua agressora dizer:
"Vai pro inferno, que é de lá que
você veio, sua porca velha".
A ofensa leva posteriormente
à "revelação" do título, suscitada pela visão de seus porcos no
chiqueiro, em uma das epifanias mais estranhas da literatura. Esse acerto de contas dos
personagens com seus "pecados" corresponde à convicção,
igualmente angustiosa, de que
o mundo deles está desaparecendo.
Mas, como esse mundo morituro é odioso, bem como são
detestáveis as pessoas que o representam, quando elas enfim
enfrentam sua sina não há no
horizonte nenhum sinal de
grandeza. O riso zombeteiro
que ecoa ao longe é o de Deus
ou de Flannery. E nós, leitores,
nos sentimos compelidos a
acompanhá-los, ainda que ligeiramente desconcertados.
CONTOS COMPLETOS
Autora: Flannery O'Connor
Tradução: Leonardo Fróes
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 79 (720 págs.)
Avaliação: ótimo
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