São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

João Wainer/Folha Imagem
A atriz Betty Faria em cena do monólogo "Shirley Valentine"

Betty, a jeitosinha


De volta aos palcos de SP, Betty Faria diz que hoje tem "horror" à paixão, revela que já grampeou um namorado e que nunca se considerou um modelo de beleza

FOLHA - Você está sozinha há algum tempo?
BETTY FARIA
- Eu tô... Eu tô.

FOLHA - E se sente solitária?
BETTY FARIA
- Eu já estive solitária acompanhada. Agora, tô sozinha por opção. Não tô fazendo barato.

 

Fazer barato, para a atriz, é ter "qualquer pessoa ao lado" só para dizer que tem alguém. "Eu sou muito livre."
 

E foi sozinha e livre que, depois de dez anos longe do teatro, Betty Faria, 67, subiu ao palco do CCBB na sexta-feira para estrelar o monólogo "Shirley Valentine". "ValentIne", reforça ela, "e não "Valentaine". É como se lê. Afinal, meu nome é "Elisabete" e não 'Elízabeth'".
São 22h de terça-feira, três dias antes da estreia, e ela acaba de ensaiar pela penúltima vez. De camisa branca, calça jeans justa e sapatos verdes de salto, a estrela de "Tieta" e de "Bye Bye Brasil" diz que está "morreeendo de fome". E sai antes da equipe para jantar. Já fora do teatro, segura o braço da repórter para atravessar as ruas do centro da cidade.
 

No carro, a caminho do restaurante Don Mariano, no Itaim Bibi, acende o cigarro.
"Incomoda? Parece que estou fumando escondido. Fumo pouco, muito controlado. Mas, agora, vou fumar ele com gosto." No restaurante, pede uma água sem gás, guaraná sem gelo. Betty segue o budismo há 13 anos. Quase não come carne.
 

A atriz, que nos anos 80 explodia sensualidade, se definia como "ardorosa", dizia que sexo, para ela, era como "respirar, comer, andar", não quer mais saber de casamento, "mesmo.
Tá doida! Na minha casa, não tem espaço para ninguém".
Nem mesmo quer se apaixonar. "Eu tenho horror. Paixão cega, é um mico, a gente fica com ciúme [entorta a boca], com a boca torta... É uma doença."
 

Há dez anos, Betty ficou "doente" pela última vez, por um homem 30 anos mais novo. Os amigos diziam que o jovem só queria se aproveitar dela. "Foi a minha volta pra análise.
Eu dizia: "Será que não tenho encantos?'" E o que descobriu? "Nada. Fiquei trabalhando a minha cabeça."
 

Era tanto ciúme que ela chegou a contratar um detetive para bisbilhotar a vida do namorado. "Foi uma coisa ridíiicula na minha vida. Contratei um detetive particular. Grampeei o telefone da minha própria casa.
Recebia milhares de fitas e ficava na garagem ouvindo aquela porra!" E então... "Descobri que a mãe dele falava mal de mim com a minha empregada! [risos] Ainda bem que foi só isso. Coisa ridícula."
 

O diretor da peça, Guilherme Leme, chega e diz que vai se sentar ali, porque foi expulso da mesa onde está a equipe de produção. "Mas é aqui que você tem que se sentar", diz Betty.
"Agora, o serviço aqui, meu amor, estamos arrasadas. É um hor-ror o serviço. A gente não tem nem um pãozinho. Eu tô detestando. [Mais alto e para a outra mesa] Fica aí a minha reclamação, produção! Fica aí a minha reclamaçãozérrima!"
 

Aos 57 anos, Vera Fischer, também sem namorado, declarou recentemente que não faz sexo há dois anos. Betty já fez "confissões" semelhantes -disse, em uma entrevista à revista "Playboy", em 1982, que transou aos 18 anos e que o trauma foi tão grande que passou os quatro anos seguintes "sem sentir orgasmo". Em outra ocasião, declarou que já ficara quatro meses sem transar.
 

"Eu acho que, hoje em dia, tocar nesse assunto é pra chamar a atenção da mídia. Eu mudei muito. Detesto escândalo. Tenho horror a isso. Eu fico com pena. Acho uma lástima mulheres da minha idade desesperadas por mídia. Não estou condenando. Cada um tem os seus valores. Mas, se eu tenho a chance de dar uma entrevista falando de coisas melhores, de valores, inclusive espirituais, do Brasil, da educação, eu vou ficar falando se eu tô f. ou não tô f.? Isso é problema meu. Hoje eu, Betty, não tô a fim disso."
 

Betty posou para a "Playboy" duas vezes, em 1978 e 1984. E se recebesse uma proposta hoje? "Eu ia morrer de rir. Que ridículo, pô! Imagina. Jamais. Jamais!" [ri e encosta a cabeça na parede] O diretor Guilherme Leme intervém. "Mas podia fazer. Ela não é gostosa pra c.? A minha briga [na direção do monólogo] com ela foi essa. Eu falava: "a Shirley não é bonita e gostosa que nem a Betty Faria.
Vamo baixá a bola! Você não pode ser natural, porque naturalmente você é um furacão!" Se ela fizesse foto nua agora pra "Playboy", ia dar banho em muita garotinha."
 

"Hoje, não tenho o menor interesse", replica Betty. "Acho até engraçado que ainda role, nesse ano de 2009, mulheres que posem nuas. Ainda tem interesse?" Naquele tempo, o ensaio fazia parte de um comportamento transgressor de Betty. Que trouxe a ela um incômodo quando afetou seus filhos, Alexandra [filha do ator Cláudio Marzo, primeiro marido da atriz] e João [filho do diretor Daniel Filho, seu segundo marido], no colégio. "Tem sempre um papai sacana que diz pro filho "a mãe do fulano posou pelada", entende? Não é legal."
 

Quando estava gravando a novela "Tieta", em 1989, Betty Faria recebeu nova proposta da revista - que foi interceptada pelo filho. "Quando cheguei da gravação, ele estava falando com o cara ao telefone: "Agora, ela não vai fazer mais, porque os meus amigos já compram a revista. Se ela fizer, vai ter que pagar um curso pra mim nos Estados Unidos por três anos".
É claro que não fiz."
 

Enquanto a paella do jantar não chega, Betty mostra as coisas que carrega em sua bolsa, em várias nécessaires. Uma tem um Vick Vaporub, um benjamim e um elástico de cabelo; a outra, duas calcinhas, um Nextel, cartões, um colírio, cristais de gengibre. "Que bolsa ridícula!" Tem também um perfume, que ela não está usando. "Agora tô com o perfume da Shirley [personagem do monólogo]. É Guerlain, uma amostrinha que ela adora, ganhou da amiga. Fiquei com a nhaca da Shirley, não usei mais o meu."
 

O teatro é hoje seu desafio. O último trabalho na TV foi em 2007, na novela "Duas Caras".
"Um dia, a Fernanda Montenegro... Eu tava fazendo muito sucesso, e ela me disse: "Tem que tomar cuidado pra não virar móveis e utensílios de uma emissora de TV". Estou seguindo o que ela me disse." Noveleira assumida, gosta também de ver o noticiário na televisão. Já "Big Brother", ela pula. "O público gosta. Eu acho um desserviço à população. Mas eu entendo porque o povo é assim, foi mal-educado, teve escola fraca, pouca cultura."
 

Betty faz 68 anos em maio.
Diz que começou a se preparar para envelhecer antes dos 50, "trabalhando com atrizes mais velhas. Presenciei algumas fazendo essa virada boa, e outras, desesperadas. Em paralelo a isso, encontrei a filosofia budista.
Nela, você não escapa dos quatro sofrimentos da vida, que são nascimento, velhice, doença e morte. Dessa, ninguém escapa". Em forma, a atriz se recusa a dizer se fez plásticas. "Gente... não vou responder! É da minha intimidade." Sempre teve personal trainer, mas se permite, às vezes, "ficar desbundada, sem neurose". Diz que nunca se achou linda. "Nunca. Hoje, vejo fotos antigas e digo: "Até que eu era jeitosinha". Sempre botei mil defeitos em mim."

"Paixão cega, é um mico, a gente fica com ciúmes, com a boca torta... É uma doença"

"Contratei um detetive. Grampeei o telefone de casa. Recebia milhares de fitas e ficava na garagem ouvindo aquela porra!"

"Se eu tenho a chance de dar uma entrevista falando de coisas melhores, de valores (...), eu vou ficar falando se eu tô f. ou não tô f.?"


Reportagem ADRIANA KÜCHLER


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Quando eu estou aqui...
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.