São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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"O corpo é tudo; o artista precisa estar presente"

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Marina Abramovic está presente. Todos os dias, desde que começou sua retrospectiva em março, ela vai ao Museu de Arte Moderna de Nova York para um encontro com estranhos. Fica sentada à espera de quem quiser dividir com ela um momento de silêncio no meio do furacão da ilha de Manhattan.
"Queria algo pequeno", diz ela. "A cidade é ruidosa, inquieta, mas, como todo furacão, tem um olho de calma no meio. Estou tentando criar essa calma."
Isso porque já soube incitar o caos até agora. Um dos maiores nomes da performance, Abramovic já se cortou, se congelou e se descabelou em obras passadas. Chegou a dar ao público instrumentos de tortura durante uma dessas ações -o trabalho terminou quando alguém apontou um revólver carregado para a cabeça da artista.
Mas este momento é outro. Antes de começar a mostra atual, em que 36 artistas refazem suas performances clássicas, Abramovic ficou cinco dias sem falar. Entregou telefones e computadores a seus assistentes e esqueceu a vida pessoal. "É preciso começar a viver dentro da performance; tudo desmorona", conta. "Crio uma infra-estrutura sem me mexer."
Ela quer formar uma galeria de performances, expor suas ações efêmeras como se fossem quadros. Quem for ao museu durante a mostra verá tudo acontecendo ao vivo. Mas como Abramovic é uma só, recrutou atores para repetir seus trabalhos -ela mesma já homenageou obras consagradas do gênero no MoMA, como a ação de Vito Acconci em que se masturbava sob o piso de uma galeria.
Na tentativa de garantir que tudo saísse do seu jeito, levou os performers atuais a um retiro no norte de Nova York, onde tem uma casa de campo. Lá, também ficaram sem seus telefones e qualquer tipo de acesso ao mundo real. Não podiam falar e acordavam todos os dias às seis da manhã para tomar banho no rio, nus e sem sabão.
"Performance tem a ver com foco, apagar o que está ao redor", afirma. "Você precisa encontrar seu centro na solidão."
No fim, é uma estética despojada a dela: corpos nus, ornamentos ausentes, o embate escancarado. Abramovic gosta de encarar o público, provoca pela dor que sente diante da plateia, pelo constrangimento que arquiteta no espaço. É a afirmação, segundo ela, de uma arte que não se vende num mundo em que tudo virou commodity.
"Aquele crânio de diamantes do Damien Hirst mostra esse excesso", diz Abramovic. "Na performance, não tem isso. É um momento refrescante."
E se faz performances mais longas agora, atos de resistência, é para enfatizar justo isso, a desaceleração em meio à voracidade do mercado. "O corpo agora é mais importante do que nunca", resume. "Isso é tudo que temos, o artista precisa ser real, precisa estar presente."


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