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"O corpo é tudo; o artista precisa estar presente"
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Marina Abramovic está presente. Todos os dias, desde que
começou sua retrospectiva em
março, ela vai ao Museu de Arte
Moderna de Nova York para
um encontro com estranhos.
Fica sentada à espera de quem
quiser dividir com ela um momento de silêncio no meio do
furacão da ilha de Manhattan.
"Queria algo pequeno", diz
ela. "A cidade é ruidosa, inquieta, mas, como todo furacão, tem
um olho de calma no meio. Estou tentando criar essa calma."
Isso porque já soube incitar o
caos até agora. Um dos maiores
nomes da performance, Abramovic já se cortou, se congelou
e se descabelou em obras passadas. Chegou a dar ao público
instrumentos de tortura durante uma dessas ações -o trabalho terminou quando alguém apontou um revólver carregado para a cabeça da artista.
Mas este momento é outro.
Antes de começar a mostra
atual, em que 36 artistas refazem suas performances clássicas, Abramovic ficou cinco dias
sem falar. Entregou telefones e
computadores a seus assistentes e esqueceu a vida pessoal.
"É preciso começar a viver dentro da performance; tudo desmorona", conta. "Crio uma infra-estrutura sem me mexer."
Ela quer formar uma galeria
de performances, expor suas
ações efêmeras como se fossem
quadros. Quem for ao museu
durante a mostra verá tudo
acontecendo ao vivo. Mas como
Abramovic é uma só, recrutou
atores para repetir seus trabalhos -ela mesma já homenageou obras consagradas do gênero no MoMA, como a ação de
Vito Acconci em que se masturbava sob o piso de uma galeria.
Na tentativa de garantir que
tudo saísse do seu jeito, levou
os performers atuais a um retiro no norte de Nova York, onde
tem uma casa de campo. Lá,
também ficaram sem seus telefones e qualquer tipo de acesso
ao mundo real. Não podiam falar e acordavam todos os dias às
seis da manhã para tomar banho no rio, nus e sem sabão.
"Performance tem a ver com
foco, apagar o que está ao redor", afirma. "Você precisa encontrar seu centro na solidão."
No fim, é uma estética despojada a dela: corpos nus, ornamentos ausentes, o embate escancarado. Abramovic gosta de
encarar o público, provoca pela
dor que sente diante da plateia,
pelo constrangimento que arquiteta no espaço. É a afirmação, segundo ela, de uma arte
que não se vende num mundo
em que tudo virou commodity.
"Aquele crânio de diamantes
do Damien Hirst mostra esse
excesso", diz Abramovic. "Na
performance, não tem isso. É
um momento refrescante."
E se faz performances mais
longas agora, atos de resistência, é para enfatizar justo isso, a
desaceleração em meio à voracidade do mercado. "O corpo
agora é mais importante do que
nunca", resume. "Isso é tudo
que temos, o artista precisa ser
real, precisa estar presente."
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