São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2000


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LITERATURA
Sírio Haidar Haidar é alvo de protestos pelo livro "Festim de Algas"
Fundamentalismo do Islã cria novo Salman Rushdie

RONALDO SOARES
DE PARIS

O fundamentalismo islâmico acaba de criar um novo Salman Rushdie. Trata-se do escritor sírio Haidar Haidar, alvo de uma campanha de setores conservadores do Islã no Egito por causa de uma obra considerada "profana".
Desta vez, porém, a cabeça do escritor não está a prêmio, como aconteceu com Rushdie há 11 anos, quando o aiatolá Khomeini o condenou à morte por causa do livro "Versos Satânicos".
Mesmo assim, a campanha contra o livro de Haidar -"Festim das Algas", que conta a história de dois comunistas iraquianos que fracassam na tentativa de derrubar Saddam Hussein- começa a ganhar contornos violentos.
Na semana passada, uma manifestação de estudantes da Universidade de Al-Azhar contrários à publicação da obra terminou com 50 feridos e mais de cem presos. O ato, realizado no Cairo, foi considerado o mais violento da capital egípcia desde a Guerra do Golfo.
A polêmica começou quando o ministério da Cultura do Egito decidiu incluir o livro de Haidar em uma coleção intitulada "Histórias do Mundo Árabe", lançada em março.
Um cronista do jornal islâmico "Al-Chaab" disse que a obra de Haidar continha blasfêmias e insultos ao profeta Maomé, fundador do Islã.
A partir de então, Haidar passou a ser tratado no Egito como "o novo Salman Rushdie", sendo tachado pelo jornal de "incrédulo", "herege" e "apóstata" (pessoa que abandona a religião), o que, segundo interpretação de correntes extremistas do Islã, é caso de condenação à morte.
No auge da campanha, o jornal chegou a dedicar uma edição inteira ao caso, atacando não só Haidar e o ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosni -alvo permanente da imprensa islâmica-, como simpatizantes do escritor.
Haidar reagiu, respondendo que não queria ser um "novo Salman Rushdie", e atribuiu a campanha ao fato de "os islâmicos estarem perdendo velocidade no Egito no plano político".
Na avaliação do escritor, seu livro foi escolhido pelos conservadores egípcios como "um meio de combater as correntes progressistas, voltar com força à cena política e ganhar o apoio da opinião pública".
O ministro da Cultura chegou a anunciar a retirada da obra das livrarias e a criação de uma comissão de especialistas para avaliar o conteúdo do livro.
Em seguida, voltou atrás e disse estar sofrendo uma campanha de intimidação movida por "pensamentos políticos retrógrados".
Intelectuais liberais do Egito se revoltaram contra a campanha anti-Haidar e lançaram um manifesto condenando o obscurantismo no país.
Eles alegam que a perseguição a Haidar é, no fundo, de motivação política. O objetivo dos conservadores seria atacar o governo progressista do presidente Moubarak, com vistas às eleições legislativas no país -em que a situação é favorita-, previstas para daqui a seis meses.
Até lá, porém, não vai faltar combustível para manter a polêmica acesa. A Justiça do Egito instaurou uma investigação sobre o caso e já convocou quatro representantes do ministério da Cultura para dar explicações. E, pelo menos na Universidade Al-Azhar, o livro está proibido, por determinação do reitor.


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