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LITERATURA
Sírio Haidar Haidar é alvo de protestos pelo livro "Festim de Algas"
Fundamentalismo do Islã cria novo Salman Rushdie
RONALDO SOARES
DE PARIS
O fundamentalismo islâmico
acaba de criar um novo Salman
Rushdie. Trata-se do escritor sírio
Haidar Haidar, alvo de uma campanha de setores conservadores
do Islã no Egito por causa de uma
obra considerada "profana".
Desta vez, porém, a cabeça do
escritor não está a prêmio, como
aconteceu com Rushdie há 11
anos, quando o aiatolá Khomeini
o condenou à morte por causa do
livro "Versos Satânicos".
Mesmo assim, a campanha contra o livro de Haidar -"Festim
das Algas", que conta a história de
dois comunistas iraquianos que
fracassam na tentativa de derrubar Saddam Hussein- começa a
ganhar contornos violentos.
Na semana passada, uma manifestação de estudantes da Universidade de Al-Azhar contrários à
publicação da obra terminou com
50 feridos e mais de cem presos. O
ato, realizado no Cairo, foi considerado o mais violento da capital
egípcia desde a Guerra do Golfo.
A polêmica começou quando o
ministério da Cultura do Egito decidiu incluir o livro de Haidar em
uma coleção intitulada "Histórias
do Mundo Árabe", lançada em
março.
Um cronista do jornal islâmico
"Al-Chaab" disse que a obra de
Haidar continha blasfêmias e insultos ao profeta Maomé, fundador do Islã.
A partir de então, Haidar passou a ser tratado no Egito como
"o novo Salman Rushdie", sendo
tachado pelo jornal de "incrédulo", "herege" e "apóstata" (pessoa
que abandona a religião), o que,
segundo interpretação de correntes extremistas do Islã, é caso de
condenação à morte.
No auge da campanha, o jornal
chegou a dedicar uma edição inteira ao caso, atacando não só
Haidar e o ministro da Cultura do
Egito, Farouk Hosni -alvo permanente da imprensa islâmica-,
como simpatizantes do escritor.
Haidar reagiu, respondendo
que não queria ser um "novo Salman Rushdie", e atribuiu a campanha ao fato de "os islâmicos estarem perdendo velocidade no
Egito no plano político".
Na avaliação do escritor, seu livro foi escolhido pelos conservadores egípcios como "um meio de
combater as correntes progressistas, voltar com força à cena política e ganhar o apoio da opinião
pública".
O ministro da Cultura chegou a
anunciar a retirada da obra das livrarias e a criação de uma comissão de especialistas para avaliar o
conteúdo do livro.
Em seguida, voltou atrás e disse
estar sofrendo uma campanha de
intimidação movida por "pensamentos políticos retrógrados".
Intelectuais liberais do Egito se
revoltaram contra a campanha
anti-Haidar e lançaram um manifesto condenando o obscurantismo no país.
Eles alegam que a perseguição a
Haidar é, no fundo, de motivação
política. O objetivo dos conservadores seria atacar o governo progressista do presidente Moubarak, com vistas às eleições legislativas no país -em que a situação
é favorita-, previstas para daqui
a seis meses.
Até lá, porém, não vai faltar
combustível para manter a polêmica acesa. A Justiça do Egito instaurou uma investigação sobre o
caso e já convocou quatro representantes do ministério da Cultura para dar explicações. E, pelo
menos na Universidade Al-Azhar, o livro está proibido, por
determinação do reitor.
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