São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O ICEBERG IMAGINÁRIO E OUTROS POEMAS"

Poesia de Elizabeth Bishop ganha tradução à sua altura

NELSON ASCHER ARTICULISTA DA FOLHA

A norte-americana Elizabeth Bishop (1911-79) foi uma escritora dotada de personalidade singular e, se esta marcou sua vida e obra, isso não ocorreu de maneira simples ou óbvia. Algo que, em princípio, deveria ter sido central, a saber, seu homossexualismo, não passa, quando mais meticulosamente examinado, de uma contingência, pois o que lhe caracterizou mesmo a existência foi a combinação de solidão e infortúnio.
Por outro lado, um detalhe biográfico que poderia ter sido perfeitamente irrelevante, o fato de, em 1951, no decorrer de uma crise alérgica sofrida durante uma de suas muitas viagens, apaixonar-se pela anfitriã sob cujos cuidados se recuperava, tornou-se um dos acontecimentos mais importantes não só de sua vida, como de toda a sua atividade literária.
Que a crise ocorresse no Rio de Janeiro (onde quem cuidou da poeta, Lota de Macedo Soares, seria sua companheira até quase o final da década seguinte) é uma circunstância cujo resultado foi a aproximação de Bishop de um temário brasileiro e, mais do que isso, da moderna poesia do país.
Ela tornou-se, assim, a mais importante personalidade literária estrangeira a estabelecer relações significativas com a cultura do Brasil, relações estas que, devido aos temas escolhidos ou à influência de João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinicius de Morais, redundaram em alguns de seus melhores poemas.
Como bem observa o organizador e tradutor desta (afinal) extensa, bem selecionada e bem traduzida antologia, o poeta e tradutor carioca Paulo Henriques Britto, Bishop pertence à geração para a qual as inovações apresentadas pelos mestres do modernismo anglo-americano eram não mais uma causa a se defender, mas uma tradição a ser seguida.
O que Paulo Henriques oferece, com esta antologia, ao público é um trabalho exemplar de seriedade, dedicação e fôlego.
Quando se trata de transplantar poesia de um idioma para outro, muitos erros podem ser cometidos. Há, portanto (e como há!), traduções erradas. Mas, em poesia pelo menos, a tradução certa não existe. Existem, isso sim, traduções melhores, piores ou apenas diferentes das outras.
Pode-se discordar de uma ou outra solução de Paulo Henriques, desta ou daquela opção métrica, estilística etc. Não há dúvida, porém, de que o tradutor realizou uma complexa operação literária, traduzindo, mais do que poemas isolados, toda uma obra.


O Iceberg Imaginário e Outros Poemas
    
Autora: Elizabeth Bishop
Seleção, tradução e estudo crítico: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 33,50 (376 págs.)




Texto Anterior: Livros/Lançamentos -"João Cabral de melo Neto": Estudo flagra tensões da lírica entre expressão e construção
Próximo Texto: Resenha da Semana - Bernardo Carvalho: Elogio da ficção
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.