São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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10ª BIENAL DO LIVRO

"Escrevo para dizer: cuidado com o amor"

A uruguaia Carmen Posadas trata de relacionamentos em "Um Veneno Chamado Amor"

DA SUCURSAL DO RIO

Carmen Posadas, 47, é elegante, bonita e tem voz de cantora de boleros. Além disso, em 1998, ganhou o maior prêmio literário da Espanha em dinheiro, o Planeta, o que lhe rendeu cerca de R$ 610 mil. Com todos esses predicados, ela adverte: "Tenham cuidado com o amor".
É com essa mensagem que a escritora uruguaia, radicada na Espanha desde os 12 anos, vem para a 10ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro lançar "Um Veneno Chamado Amor".
O livro, que se pretende um ensaio sobre as relações amorosas, tem a superficialidade adequada a um best-seller e tem a única missão de provar que amor não é a mesma coisa que paixão.
A escritora admite que a obra surgiu depois de ela mesmo ter sofrido por confundir os dois conceitos. A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.
(ANTONIO CARLOS DE FARIA)

Folha - Você fez um livro para mulheres?
Carmen Posadas -
Não, creio que não. Penso que é uma reflexão, que, como é minha, não poderia ser apenas para mulheres. Acho que o interesse pelo assunto é igual entre os homens.

Folha - Mas ao final, na conclusão, você aconselha, por exemplo, o uso de lingerie ousada para estimular uma relação. Isso não reforça a idéia de que é um livro para mulheres?
Posadas -
Não era minha idéia. O que eu queria era dirigir-me às pessoas que confundem o amor com a paixão. Há muitas pessoas que confundem uma coisa com a outra, quando, na realidade, a paixão é a centelha que acende o amor. Se a paixão não se transforma em algo mais tranquilo, se é repelida, pode virar uma obsessão e com consequências terríveis.

Folha - Seu livro é repleto de casos como suicídios, homicídios. Você quis atrair a curiosidade mórbida dos leitores?
Posadas -
Eu quis mostrar casos da vida real, dar consistência ao tema. A confusão entre amor e paixão se deve muito à literatura e ao cinema, onde geralmente há o final feliz. Quis mostrar os extremos a que se pode chegar, quando se tem um amor mal entendido.

Folha - Você acha negativo o tratamento que o cinema e a literatura fácil dão ao tema?
Posadas -
Sim. Creio que é negativo porque se criam expectativas impossíveis de manter. A paixão é algo bonito desde que seja breve e dê caminho ao amor, caso contrário é perigosa.

Folha - Você acredita que hoje há menos condições para a existência dos amores trágicos do romantismo literário?
Posadas -
Antes o amor era restringido pelos casamentos de conveniência, pelas uniões que não se podiam romper, pelas distâncias. Hoje, essas restrições quase não mais existem e por isso o amor é mais possível. E justamente por ser tão possível ele também é mais efêmero.

Folha - A razão do ocaso dos amores trágicos não seria também o fato de que as pessoas estão conscientes de que não há ninguém que possa ser o complemento ideal?
Posadas -
A confusão está justamente aí. Muitas pessoas ainda continuam buscando uma relação inalcançável e mitificam o ser amado, como um deus, um ideal. Quando não conseguem o objeto do desejo, ou quando se sentem ameaçadas de perdê-lo, são capazes de cometer crimes. Não digo que todas as paixões são assim, mas o que me interessa são os casos extremos.

Folha - Você acha que as pessoas hoje estão mais preparadas para viver sós?
Posadas -
Acho que as pessoas nunca estão preparadas para a solidão. É uma coisa difícil. Acho que a internet está causando uma revolução nas relações humanas, porque ela, sim, propicia que pessoas solitárias mantenham relações com pessoas distantes, mesmo estranhas.

Folha - Com o fim da ilusão de que há a pessoa perfeita, a metade perdida, você acredita que há mais propensão para relacionamentos com mais parceiros?
Posadas -
Antes, as pessoas se casavam e tinham relações extramatrimoniais, uma, duas ou mais. Agora, é mais fácil separar e casar outra vez. Portanto é possível ter muitos projetos amorosos. Por um lado, isso leva a que não se coloque muito esforço para que uma relação se mantenha. Por outro, as pessoas também ficam aptas a viver mais ilusões. É claro isso implica viver também mais desilusões.

Folha - Você escreve que os temas da paixão e do amor sempre foram uma fonte de lucros para a indústria cultural. O seu livro não é mais um exemplo disso?
Posadas -
Sim, creio que sim. Mas está escrito em um ponto de vista diferenciado. Há muitos escritores, diretores de cinema, que utilizam os sentimentos humanos para comover ou fazer chorar. Eu escrevo para dizer: tenham cuidado com o amor.


UM VENENO CHAMADO AMOR - ENSAIOS SOBRE PAIXÕES, CIÚMES E MORTES. De: Carmen Posadas. Editora: Objetiva. Tradução: Rubia Prates Goldoni. 172 págs. R$ 20,90.



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