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Autor "vinga-se" de Hemingway
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor cubano Leonardo Padura Fuentes, 46, se sentiu com a
faca e o queijo na mão quando a
Companhia das Letras o convidou para escrever um romance na
coleção "Literatura ou Morte",
que coloca escritores famosos
dentro de uma história criminal.
Padura tinha umas continhas a
acertar com um famoso escritor
americano que vivera parte de sua
vida na ilha: Ernest Hemingway.
Ao mesmo tempo que admirava
suas obras, o cubano depreciava
as falhas de caráter do autor.
O acerto veio na forma de acusação. Seria o velho Hemingway,
em seus últimos dias, o autor do
assassinato de um agente do FBI
cujo esqueleto é encontrado nos
jardins de seu sítio? O detetive
Mario Conde, personagem de Padura em outros livros ("Máscaras" e "Paisagens do Outono"), é
escalado para resolver o mistério.
A resposta para o mistério e para os sentimentos dúbios de Padura está em "Adeus Hemingway". "Senti um alívio", diz.
(CYNARA MENEZES)
Folha - Quando li seu livro, pensei
num cartaz que vi em Madri: "Hemingway nunca esteve aqui". Os
cubanos gostariam de dizer isso?
Leonardo Padura Fuentes - - Em
Cuba, aconteceu igual: ao que parece, Hemingway esteve em todas
as partes, ainda que a maior parte
do tempo em três lugares: em sua
casa, escrevendo; no mar, pescando; e no balcão do bar Floridita,
bebendo daiquiris duplos.
Sua relação com Cuba foi mais
utilitária que sanguínea: não passava o dia na rua, dançando e perseguindo mulatas, mas aproveitou das vantagens da ilha -clima, mar- para continuar seu
trabalho. Por isso, não creio que
ali ninguém se recordasse dele.
Folha - O sr. crê que teve uma espécie de catarse com o romance?
Padura - Não creio que uma catarse, mas senti um alívio. Escrevi
bastante crítica e ensaio, mas me
custa trabalho aproximar-me
desde essa ótica dos autores que
são mais próximos a mim, literariamente falando. Por isso teria sido muito difícil escrever sobre
Hemingway, um de meus mestres
e minha primeira grande influência, "cientificamente".
Folha - Em um trecho do romance, o sr. diz que, próximo do suicídio, Hemingway se sentia um perdedor. Crê que se sentia assim?
Padura - Sim. Havia perdido várias coisas importantes em sua vida -a capacidade de escrever, de
viver aventuras, de amar- e havia perdido em sua guerra contra
a própria vida. Num tipo como
ele, tantas perdas eram inadmissíveis e, quando viu que estava em
um caminho sem volta, optou pelo suicídio. Mas seus anos finais
foram tão amargos e terríveis que
Hemingway já não se parecia com
Hemingway, e a morte era a única
que podia devolver sua forma de
vida. Paradoxal, não?
Folha - Como foi o trabalho de
pesquisa? Há algo de real no livro?
Padura - O romance é um romance, e nele a ficção flui, a partir
de uma realidade comprovada.
No caso dos nomes, decidi ser
cuidadoso, mas é real a agonia de
Hemingway nesses tempos.
Folha - Existe um grupo de seguidores de Hemingway em Cuba?
Padura - Sim, existem os "hemingwaianos cubanos". Eles se
reúnem em colóquios sobre a vida do escritor e lutam para que
sua imagem não seja vilipendiada, para que seus livros sejam reeditados, para que se estude sua
obra. Não sou afiliado. Minha relação com ele é mais surda.
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