São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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Autor "vinga-se" de Hemingway

DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor cubano Leonardo Padura Fuentes, 46, se sentiu com a faca e o queijo na mão quando a Companhia das Letras o convidou para escrever um romance na coleção "Literatura ou Morte", que coloca escritores famosos dentro de uma história criminal.
Padura tinha umas continhas a acertar com um famoso escritor americano que vivera parte de sua vida na ilha: Ernest Hemingway. Ao mesmo tempo que admirava suas obras, o cubano depreciava as falhas de caráter do autor.
O acerto veio na forma de acusação. Seria o velho Hemingway, em seus últimos dias, o autor do assassinato de um agente do FBI cujo esqueleto é encontrado nos jardins de seu sítio? O detetive Mario Conde, personagem de Padura em outros livros ("Máscaras" e "Paisagens do Outono"), é escalado para resolver o mistério.
A resposta para o mistério e para os sentimentos dúbios de Padura está em "Adeus Hemingway". "Senti um alívio", diz. (CYNARA MENEZES)

Folha - Quando li seu livro, pensei num cartaz que vi em Madri: "Hemingway nunca esteve aqui". Os cubanos gostariam de dizer isso?
Leonardo Padura Fuentes -
- Em Cuba, aconteceu igual: ao que parece, Hemingway esteve em todas as partes, ainda que a maior parte do tempo em três lugares: em sua casa, escrevendo; no mar, pescando; e no balcão do bar Floridita, bebendo daiquiris duplos.
Sua relação com Cuba foi mais utilitária que sanguínea: não passava o dia na rua, dançando e perseguindo mulatas, mas aproveitou das vantagens da ilha -clima, mar- para continuar seu trabalho. Por isso, não creio que ali ninguém se recordasse dele.

Folha - O sr. crê que teve uma espécie de catarse com o romance?
Padura -
Não creio que uma catarse, mas senti um alívio. Escrevi bastante crítica e ensaio, mas me custa trabalho aproximar-me desde essa ótica dos autores que são mais próximos a mim, literariamente falando. Por isso teria sido muito difícil escrever sobre Hemingway, um de meus mestres e minha primeira grande influência, "cientificamente".

Folha - Em um trecho do romance, o sr. diz que, próximo do suicídio, Hemingway se sentia um perdedor. Crê que se sentia assim?
Padura -
Sim. Havia perdido várias coisas importantes em sua vida -a capacidade de escrever, de viver aventuras, de amar- e havia perdido em sua guerra contra a própria vida. Num tipo como ele, tantas perdas eram inadmissíveis e, quando viu que estava em um caminho sem volta, optou pelo suicídio. Mas seus anos finais foram tão amargos e terríveis que Hemingway já não se parecia com Hemingway, e a morte era a única que podia devolver sua forma de vida. Paradoxal, não?

Folha - Como foi o trabalho de pesquisa? Há algo de real no livro?
Padura -
O romance é um romance, e nele a ficção flui, a partir de uma realidade comprovada. No caso dos nomes, decidi ser cuidadoso, mas é real a agonia de Hemingway nesses tempos.

Folha - Existe um grupo de seguidores de Hemingway em Cuba?
Padura -
Sim, existem os "hemingwaianos cubanos". Eles se reúnem em colóquios sobre a vida do escritor e lutam para que sua imagem não seja vilipendiada, para que seus livros sejam reeditados, para que se estude sua obra. Não sou afiliado. Minha relação com ele é mais surda.


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