São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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CANNES
Alta produção marca os 80 anos de Bergman

AMIR LABAKI
enviado especial a Cannes

A exibição de "Na Presença de um Palhaço", anteontem, fora de concurso, provou que aposentadoria não consta mesmo do dicionário do sueco Ingmar Bergman. O diretor de teatro e cinema está chegando aos 80 -que completará em julho- em plena atividade.
"Depois de 60 anos de trabalho, tenho direito de exercitar exclusivamente o princípio do prazer", assume Bergman em entrevista ao "Cahiers du Cinéma" deste mês.
O cineasta já rodou e no momento finaliza uma versão para TV da peça "Fazedores de Imagens", de Per Olov Enquist, que dirigiu também nos palcos suecos.
Bergman participa apenas como roteirista do segundo: "Trolosa" será dirigido por Liv Ullmann.
"Na Presença de um Palhaço", exibido aqui em vídeo dentro da mostra Um Certo Olhar depois de estrear na TV sueca em novembro, é autobiográfico.
Bergman combina sua velha admiração pelo esfuziante tio Carl, já celebrado em "Fanny e Alexander", "As Melhores Intenções" e "Crianças de Domingo", com a recente fixação pela vida e obra do compositor Franz Schubert.
"Na Presença de um Palhaço", originalmente prevista para estrear no teatro, desenvolve-se segundo a estrutura clássica do drama em três atos.
No primeiro, passado num hospício em 1925, um envelhecido Carl (Borje Ahlstedt) encontra no colega de internação Osvald Vogler (Erland Josephson) o parceiro ideal para lançar seu novo invento: o "cinematógrafo vivo falado", no qual o texto do filme mudo é lido por atores atrás da tela.
No ato seguinte, desenvolvido numa casa de espetáculos do interior, 11 pessoas vêem fracassar a invenção de Carl, forçando-o a transformar em teatro seu filme.
Por fim, no ato final, Carl expõe seu medo da morte à bela e jovem noiva Pauline (Marie Richardson).
A identificação Carl-Schubert serve para Bergman tratar de dois temas fundamentais de sua obra madura: o amor à liberdade e a relação com a morte. Ambos, próximos de morrer, ousaram expandir os limites de suas criações.
Não surpreende, assim, que a morte vire personagem e assuma a forma de um palhaço feminino todo branco, um espectro sedutor que persegue Carl.
Essa figura perturbadora fica entre o temerário fantasma negro de "O Sétimo Selo" e a bela linda ninfa nua cantada por Gilberto Gil. Essa nova e ambígua Morte é desses raríssimos ícones cinematográficos que, como o Carlitos de Chaplin ou o Mephisto de Szabo, se estabelecem de pronto na memória coletiva. Obra de gênio, obra de Bergman.



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