São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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Eu sei o que vocês fizeram


Atrizes de "Xica da Silva" se dizem traumatizadas e constrangidas com a reprise da novela picante

Estrela de "Pantanal" também se sentiria constrangida em rever cenas com sua nudez



LAURA MATTOS
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Num dia, topa fazer fotos eróticas por cachês nem tão atraentes; no outro, torna-se estrela do público infantil. Em começo de carreira, fica pelada em novela apelativa; depois, famosa, avalia o roteiro antes de aceitar um papel.
O mundo artístico dá muitas voltas, e haja jogo de cintura das celebridades para manter algumas páginas do currículo no baú.
Não é só Giovanna Antonelli que não anda muito feliz em rever cenas nas quais aparece nua ou simulando ato sexual em "Xica da Silva". Em reprise no SBT, a novela produzida em 1996/97 pela Manchete reabriu feridas de atrizes que toparam tirar a roupa numa das fases mais apelativas da teledramaturgia brasileira.
Escrita por Walcyr Carrasco sob pseudônimo, "Xica" foi sucesso à época e, no SBT, praticamente dobrou a audiência do horário, com médias de 15 pontos no Ibope e picos de até 20 (mais de um milhão de domicílios na Grande SP).
Enquanto o público se diverte com a chanchada, parte do elenco se constrange. Em processo contra o SBT, Antonelli não quis dar entrevista à Folha. Para Adriane Galisteu, "Xica" é um trauma. Ela era novata na TV e ganhou um papel de coadjuvante que vivia tomando banho nua no riacho.
"Não gosto nem do meu papel nem das coisas que tive que fazer. Revendo hoje, acho que minha participação foi lamentável."
Galisteu conta que fora convidada pelo diretor Walter Avancini (1935-2001) para apenas quatro capítulos, mas teve a participação ampliada. "A pior coisa que fiz na vida foi ter aceitado ficar mais. Pedia toda hora para sair. Afinal, que negócio é esse de ficar tirando a roupa toda hora? Ficava agoniada. Fiquei tão traumatizada que nunca mais quis fazer novelas."
Ela afirma que seu espaço na trama chegou a ser condicionado à disposição em aparecer nua. "Eu pedia mais texto, e diziam: "Tire a roupa, que você ganha". Não tinham noção de que fazia tanto mal para mim. Todas [as que ficavam nuas] sofreram."
Carla Regina, que fez papel sensual em três tramas "calientes" da Manchete, gostou de trabalhar em "Xica", mas confessa não ficar à vontade em rever sua nudez na reprise. "Não sei se me arrependo, mas acho que não faria novamente [as cenas com nu]. Há coisas que revejo e não curto muito, rola um certo constrangimento", diz a atriz, que interpreta uma cortesã em "Essas Mulheres", da Record.
Taís Araújo, que se projetou na TV no papel da personagem-título, diz que isso não a incomoda. "Só fiz coisas que queria. Nunca me sujeitei a nada que não quisesse. Não vejo problemas nas minhas cenas de nudez, nenhuma delas gratuita. A personagem pedia isso, e eu faria tudo de novo."
Ao assistir à reexibição, aponta erros "enormes" em sua interpretação. "São coisas ingênuas. Ficava toda hora mexendo os ombros, mas não tinha como fazer diferente. Era tudo muito verdadeiro. Foi a novela que me lançou."

"Pantanal"
Tão marcante quanto "Xica" para Taís foi "Pantanal" (Manchete, 1990) na carreira de Cristiana Oliveira. A novela, com texto de Benedito Ruy Barbosa ("Terra Nostra") e direção de Jayme Monjardim ("O Clone"), trouxe uma nova linguagem à TV brasileira e ameaçou a liderança da Globo.
No papel de Juma, uma jovem "selvagem", Cristiana atuou inúmeras vezes sem roupa. "A novela era perfeita e foi uma experiência ótima. Mas não as cenas de nudez. Na época, tudo parecia natural, inserido no contexto. Eu era ingênua, estava tão envolvida com a personagem que não pensava na possibilidade de haver outros objetivos na exploração do nu."
A atriz passou a se incomodar só na segunda metade da história. "Percebi a intenção de usar aquilo para atrair audiência. Hoje, eu me sentiria constrangida se "Pantanal" fosse reprisada com muita evidência. E não faria aquelas cenas novamente, colocaria limite."
Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP, acredita que essa fase da Manchete trazia alguns bons textos, como o de "Pantanal", mas "pegou pesado em termos de submundo e nudez". "São cenas chocantes até para os padrões atuais. Lembram nitidamente o cinema nacional dos anos 70."

Domingo
Além da teledramaturgia, a busca por audiência a qualquer preço deixou marcas também nos programas de domingo. Ameaçado pelo SBT no Ibope, o "Domingão do Faustão" colocou no palco, em 1996, um garoto doente de 15 anos que media apenas 87 centímetros.
O episódio "Latininho" rendeu à Globo problemas com o Ministério Público. Apesar disso, "Faustão" voltou a apelar no ano seguinte, com a estréia do quadro "sushi erótico", no qual uma mulher deitava nua numa mesa e era coberta por fatias de peixe cru.
No SBT, o "Domingo Legal", após abandonar a brincadeira da banheira com modelos seminuas, levou ao ar em 2003 uma entrevista falsa com membros da facção criminosa PCC, o que rendeu processo, ainda em andamento.


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