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Adeus às armas
Convidado da próxima
Flip, o autor argentino
Ricardo Piglia fala sobre
seu romance, que aborda
a Guerra das Malvinas,
e sobre o futebol
"Clarín"
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SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"O futebol é como a vida:
(quase) nunca ganha o melhor". Foi assim, orgulhoso,
mas com toda a cautela, que o
escritor argentino Ricardo Piglia, 64, respondeu ao pedido
da Folha para que comentasse
a goleada de 6 a 0 da Argentina
contra a seleção de Sérvia e
Montenegro, na última sexta-feira, na Copa do Mundo da Alemanha. "Coração e passes curtos, é o
que chamamos de "la
nuestra", ou o estilo argentino de jogar futebol", definiu a partida.
No dia anterior, bem
antes da festa de Riquelme, Tevez e cia., o mais
importante autor do
país aqui ao lado havia
dado uma entrevista
bem mais comedida e
séria sobre o seu assunto propriamente dito, a
literatura. Piglia virá ao Brasil
em agosto para participar da
Festa Literária Internacional
de Parati. Nela, fará uma conferência sobre "o escritor como
leitor", tema também de seu
mais recente ensaio "El Último
Lector" (2005), cuja tradução
deve ser lançada aqui à época
do evento.
Leia abaixo os principais trechos.
FOLHA - Em que você está trabalhando?
RICARDO PIGLIA - Estou escrevendo contos. Como eu comecei por eles, voltar a esse gênero
é como voltar a ser o escritor
que fui na época em que dei
meus primeiros passos na literatura. Também acabo de terminar uma primeira versão de
um romance que se chama
"Blanco Noturno", no qual estou trabalhando há tempos e
que espero terminar no ano
que vem.
FOLHA - E como é esse romance?
PIGLIA - Trata-se de uma história que acontece durante a
Guerra das Malvinas (1982),
ainda que o conflito não seja o
tema do livro. Emilio Renzi,
personagem que aparece em
vários livros meus, é o protagonista. No fundo, trata-se de
uma história de amor em tempos de guerra. Ou a minha versão de "Adeus às Armas" [Ernest Hemingway]. De cara, o título se refere ao campo de batalha.
FOLHA - Em seus ensaios, você reflete muito sobre a literatura argentina, sobretudo sobre o século 19.
Qual o legado daquele período à literatura argentina e internacional?
PIGLIA - O século 19 foi o século
das grandes utopias, enquanto
o século 20 tratou de convertê-las em realidade. E ainda estamos pagando as conseqüências.
No que diz respeito à literatura, o século 19 é o século do
romance, grandes artistas como Dickens ou Tolstói, foram
escritores muito populares.
Depois o romance como gênero perdeu seu público e o relato social migrou para o cinema. Não foi, como se costuma
dizer, pelo fato de os romancistas começarem a escrever romances experimentais que o
romance perdeu seu público.
Mas, justamente porque o romance perdeu seu público, é
que foram possíveis obras como as de Joyce, Kafka ou
Proust.
De todos os modos, sempre
temos a nostalgia dessa época
em que grandes livros eram lidos por todos os lados.
FOLHA - Há um ano morreu Juan
José Saer. Como você vê a literatura
argentina hoje? Você ficou sozinho
na linha de frente?
PIGLIA - Ainda não temos consciência do que significou essa
perda. Apenas por sua presença, um escritor como Saer, lúcido e sarcástico, ajudava a refrear os idiotas e os filisteus.
Sua obra persistirá enquanto
dure a literatura no mundo,
mas sua inteligência luminosa
e sua amizade nunca poderão
ser substituídos.
FOLHA - Você vive parte do seu
tempo nos Estados Unidos. Já pensou em escrever em inglês? O que
acha de um autor escrever em uma
língua que não é a sua?
PIGLIA - Gosto de viver em uma
língua estrangeira porque as
vozes da cidade se tornam estranhas e longínquas. Sobretudo gosto de viver em uma língua e escrever em outra. Mas
nunca pensei em escrever em
inglês porque a língua materna
é a única realidade a que um escritor deve ser fiel, ou tentar ser
fiel, durante toda a sua vida.
É claro que alguns escritores,
como Samuel Beckett ou Franz
Kafka, são capazes de fazer próprias qualquer língua em que
escrevam.
FOLHA - Como você vê a América
Latina hoje? Acredita na tese de Jorge Castañeda, que escreveu um artigo na revista "Foreign Affairs" distinguindo uma esquerda "boa" (representada por Lula e Bachelet) e
uma esquerda "má" (representada
por Kirchner, Chávez e Morales)?
PIGLIA - Depois da experiência
das ditaduras e da catástrofes
neoliberais na América Latina,
todas as esquerdas serão bem-vindas.
FOLHA - Você acha que a literatura
latino-americana hoje, em geral, reflete o momento político que vive o
continente? Mais ou menos do que
na época das ditaduras?
PIGLIA - De modo geral, digamos que nunca há uma relação
imediata entre os acontecimentos políticos e a escritura
de ficção. Saer pensou seu último romance, "La Grande", como um livro sobre a pobreza. E
é um livro sobre a pobreza (por
isso seu personagem central é
um novo rico). E esse é o modo,
sempre elíptico e elusivo, que
tem a literatura de falar da realidade.
FOLHA - Você tem lido algo de literatura brasileira recentemente?
PIGLIA - Gostei muito do romance de Silviano Santiago sobre Graciliano Ramos. Me sinto
muito próximo dessa obra e ia
escrever um prólogo para a edição argentina, mas no final não
foi possível.
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