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Hã?!
Fracasso de audiência e considerada hermética, "A Pedra do Reino" levanta a discussão sobre as estratégias para elevar o nível do repertório da TV aberta brasileira
SYLVIA COLOMBO
DANIEL CASTRO
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de incensada pela crítica, a série "A Pedra do Reino",
adaptação da obra homônima
do escritor paraibano Ariano
Suassuna, com direção de Luiz
Fernando Carvalho, foi um fracasso de audiência e causou
reações sobre seu hermetismo.
Em enquete no UOL, a opção
vencedora até o fechamento
desta edição era: "Tentei assistir ao primeiro episódio, mas
achei tudo muito chato e complicado e acabei desistindo",
com 34,84% dos votos.
Exibida em cinco capítulos,
na semana passada, a microssérie teve a pior audiência de um
programa de dramaturgia da
TV Globo no horário nobre pelo menos nesta década.
A Globo esperava dela cerca
de 15 pontos, dez a menos do
que costuma registrar no horário em que foi apresentada.
Mas, segundo dados prévios do
Ibope, a média final deve ficar
em 11 pontos na Grande São
Paulo, onde cada ponto equivale a cerca de 55 mil domicílios.
O programa deixou a Globo
em terceiro lugar no ranking de
audiência em todos os dias em
que foi exibido -a Record foi líder em quatro, e o SBT, em um.
Há quem diga que o problema de "A Pedra do Reino" estava no projeto de Carvalho, outros, que o público não está
acostumado a um modelo de
narrativa pouco linear e muito
fincado apenas no aspecto sensorial. Por fim, os que acham
que audiência não é importante
quando se trata de arte na TV.
A série, com excelente direção de arte e belas imagens, não
seguiu o modelo clássico de
narrativa de apresentação e solução de conflitos e com a fórmula do melodrama. Coisas,
aliás, que Luiz Fernando Carvalho já havia feito antes. Ocorre que agora o enredo e o drama
eram ainda mais confusos, com
a obra tentando sustentar uma
experiência "sensorial" sem
costura narrativa clara.
Para Carvalho, os números
não são desanimadores, porque
o que realmente interessa é o
"resultado artístico". "Eu e
Ariano estamos muito felizes e
tínhamos, desde sempre, a certeza de que seria muito difícil
alcançar bons índices com um
texto tão complexo", disse em
entrevista à Folha.
O diretor conta que esperava
uma média de 15 pontos. "Tinha total consciência que se
tratava de um romance difícil,
mas brilhante, e que o mais importante, além de homenagear
o aniversário de seu autor, era
presentear o público com seu
universo sem desfigurá-lo. Não
faria o menor sentido enxertar
quinze personagens para saírem explicando o livro."
Arte na TV
Para J.B. de Oliveira, o Boninho, diretor de núcleo responsável por "Big Brother Brasil",
porém, há limites para a arte na
TV. "Ela deveria ter seu espaço
numa TV educativa ou cabo,
nunca na TV aberta de massa.
Isso não desqualifica produtos
de extremo bom gosto, qualidade artística e cultural. Na década de 80, a Globo apresentou
após o "Fantástico", a filmografia completa de Chaplin. Exibiu
peças musicais clássicas e fez
um especial sobre Villa-Lobos.
Essa é a forma de arte possível
na TV de massa, mais acessível
ao grande público."
Quando o objetivo é de arte
pela arte, diz Boninho, pode haver um estranhamento. "Da
mesma forma que um produto
trash como o Latininho causou,
espantando o telespectador.
Produto de arte precisa de uma
boa moldura, de um canal específico, de linha direta com
quem está disposto a vê-lo. Por
isso que arte e inovação não caminham juntas na televisão."
A antropóloga e professora
da Escola de Comunicações e
Artes da USP Esther Hamburguer diz que o problema da série foram questões técnicas relacionadas ao roteiro. "Eram
muitos personagens para uma
microssérie muito curta. O resultado foi hermético não só
para o grande público, mas para
qualquer público". Para ela, entretanto, não se deve descartar
projetos ambiciosos para a televisão por conta da baixa audiência. "É bom que existam
séries assim", conclui.
Carvalho diz que concorda
com as críticas que disseram
que a série era "difícil". "Mas
esta, me parece, é uma das funções de uma grande empresa de
ponta, abrir novos caminhos,
assumindo os riscos. Em que
outra televisão você poderia assistir à "Pedra do Reino'? Quem
teria condições de imitá-la?"
Lisandro Nogueira, que escreveu "O Autor na Televisão"
(Edusp), afirma que os telespectadores brasileiros têm seu
olhar "domesticado" pelas fórmulas fáceis do melodrama e
pela passagem de grande parte
deles diretamente de uma cultura oral para outra, visual, sem
aprendizado das possibilidades
da cultura literária.
Daí a dificuldade que, para
ele, o público teve em entender
a série de Carvalho. "A obra
buscava colocar o espectador
para brincar com o imaginário,
e ele não está acostumado a isso", diz. "Além disso, o público
brasileiro talvez já esteja tão
urbanizado que também não
consegue se reconhecer ali [no
universo de Ariano Suassuna]."
O autor de novelas da Record
Tiago Santiago acha que "Pedra
do Reino" não foi bem por "falha na comunicação". Para ele,
a história estava praticamente
incompreensível. "Ninguém
quer assistir ao que não consegue entender. Acho viável produzir alta cultura para a televisão, inclusive com sucesso."
Já o escritor e dramaturgo
Fernando Bonassi acha que a
série fracassou porque o atual
modelo de produção da TV está
falido. "A inovação será quando
as televisões forem obrigadas a
comprar programas feitos fora
e criar um mercado livre de
programação."
Há quem defenda que a preocupação com a audiência seja
excessiva. A colunista da Folha, Bia Abramo, acha que "as
pessoas não admitem que a TV
possa ter coisas de mais ou menos audiência. Não tem cabimento. Não se deve, por conta
da audiência, deixar de fazer
coisas diferentes."
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