São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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Hã?!

Fracasso de audiência e considerada hermética, "A Pedra do Reino" levanta a discussão sobre as estratégias para elevar o nível do repertório da TV aberta brasileira

SYLVIA COLOMBO
DANIEL CASTRO
RAFAEL CARIELLO

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de incensada pela crítica, a série "A Pedra do Reino", adaptação da obra homônima do escritor paraibano Ariano Suassuna, com direção de Luiz Fernando Carvalho, foi um fracasso de audiência e causou reações sobre seu hermetismo. Em enquete no UOL, a opção vencedora até o fechamento desta edição era: "Tentei assistir ao primeiro episódio, mas achei tudo muito chato e complicado e acabei desistindo", com 34,84% dos votos.
Exibida em cinco capítulos, na semana passada, a microssérie teve a pior audiência de um programa de dramaturgia da TV Globo no horário nobre pelo menos nesta década.
A Globo esperava dela cerca de 15 pontos, dez a menos do que costuma registrar no horário em que foi apresentada. Mas, segundo dados prévios do Ibope, a média final deve ficar em 11 pontos na Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a cerca de 55 mil domicílios.
O programa deixou a Globo em terceiro lugar no ranking de audiência em todos os dias em que foi exibido -a Record foi líder em quatro, e o SBT, em um.
Há quem diga que o problema de "A Pedra do Reino" estava no projeto de Carvalho, outros, que o público não está acostumado a um modelo de narrativa pouco linear e muito fincado apenas no aspecto sensorial. Por fim, os que acham que audiência não é importante quando se trata de arte na TV.
A série, com excelente direção de arte e belas imagens, não seguiu o modelo clássico de narrativa de apresentação e solução de conflitos e com a fórmula do melodrama. Coisas, aliás, que Luiz Fernando Carvalho já havia feito antes. Ocorre que agora o enredo e o drama eram ainda mais confusos, com a obra tentando sustentar uma experiência "sensorial" sem costura narrativa clara.
Para Carvalho, os números não são desanimadores, porque o que realmente interessa é o "resultado artístico". "Eu e Ariano estamos muito felizes e tínhamos, desde sempre, a certeza de que seria muito difícil alcançar bons índices com um texto tão complexo", disse em entrevista à Folha.
O diretor conta que esperava uma média de 15 pontos. "Tinha total consciência que se tratava de um romance difícil, mas brilhante, e que o mais importante, além de homenagear o aniversário de seu autor, era presentear o público com seu universo sem desfigurá-lo. Não faria o menor sentido enxertar quinze personagens para saírem explicando o livro."

Arte na TV
Para J.B. de Oliveira, o Boninho, diretor de núcleo responsável por "Big Brother Brasil", porém, há limites para a arte na TV. "Ela deveria ter seu espaço numa TV educativa ou cabo, nunca na TV aberta de massa. Isso não desqualifica produtos de extremo bom gosto, qualidade artística e cultural. Na década de 80, a Globo apresentou após o "Fantástico", a filmografia completa de Chaplin. Exibiu peças musicais clássicas e fez um especial sobre Villa-Lobos. Essa é a forma de arte possível na TV de massa, mais acessível ao grande público."
Quando o objetivo é de arte pela arte, diz Boninho, pode haver um estranhamento. "Da mesma forma que um produto trash como o Latininho causou, espantando o telespectador. Produto de arte precisa de uma boa moldura, de um canal específico, de linha direta com quem está disposto a vê-lo. Por isso que arte e inovação não caminham juntas na televisão."
A antropóloga e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP Esther Hamburguer diz que o problema da série foram questões técnicas relacionadas ao roteiro. "Eram muitos personagens para uma microssérie muito curta. O resultado foi hermético não só para o grande público, mas para qualquer público". Para ela, entretanto, não se deve descartar projetos ambiciosos para a televisão por conta da baixa audiência. "É bom que existam séries assim", conclui.
Carvalho diz que concorda com as críticas que disseram que a série era "difícil". "Mas esta, me parece, é uma das funções de uma grande empresa de ponta, abrir novos caminhos, assumindo os riscos. Em que outra televisão você poderia assistir à "Pedra do Reino'? Quem teria condições de imitá-la?"
Lisandro Nogueira, que escreveu "O Autor na Televisão" (Edusp), afirma que os telespectadores brasileiros têm seu olhar "domesticado" pelas fórmulas fáceis do melodrama e pela passagem de grande parte deles diretamente de uma cultura oral para outra, visual, sem aprendizado das possibilidades da cultura literária.
Daí a dificuldade que, para ele, o público teve em entender a série de Carvalho. "A obra buscava colocar o espectador para brincar com o imaginário, e ele não está acostumado a isso", diz. "Além disso, o público brasileiro talvez já esteja tão urbanizado que também não consegue se reconhecer ali [no universo de Ariano Suassuna]."
O autor de novelas da Record Tiago Santiago acha que "Pedra do Reino" não foi bem por "falha na comunicação". Para ele, a história estava praticamente incompreensível. "Ninguém quer assistir ao que não consegue entender. Acho viável produzir alta cultura para a televisão, inclusive com sucesso."
Já o escritor e dramaturgo Fernando Bonassi acha que a série fracassou porque o atual modelo de produção da TV está falido. "A inovação será quando as televisões forem obrigadas a comprar programas feitos fora e criar um mercado livre de programação."
Há quem defenda que a preocupação com a audiência seja excessiva. A colunista da Folha, Bia Abramo, acha que "as pessoas não admitem que a TV possa ter coisas de mais ou menos audiência. Não tem cabimento. Não se deve, por conta da audiência, deixar de fazer coisas diferentes."


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