São Paulo, sexta-feira, 19 de junho de 2009

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A viagem de Arnaldo

O mutante recebe a Folha em sua casa em Minas para falar do documentário "Loki - Arnaldo Baptista", que estreia hoje

Leonardo Wen/Folha Imagem
O músico Arnaldo Baptista, tema de documentário, posa para retrato no hall de entrada do prédio onde mora em Belo Horizonte

MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

O relógio de Arnaldo Baptista bate em outro tempo. Ou em vários. Dividindo seus dias entre um sítio em Juiz de Fora (MG) e um apartamento em Belo Horizonte, não se deita muito depois de o sol se pôr. Acorda no meio da madrugada, pula da cama e vai pintar quadros, escrever livros e compor.
Tem obsessão por instrumentos "vintage" e não consegue conversar por 15 minutos sem citar amplificadores à válvula e guitarras da marca Gibson, que usa fielmente desde que fundou os Mutantes, no final dos anos 60. Chama seus álbuns, mesmo os que ainda pretende gravar, de LPs.
Só agora trocou seu gravador analógico por um digital, mas não usa computadores, sequer tem uma conta de e-mail. Ao mesmo tempo, é fascinado por fórmulas científicas, telepatia, discos voadores e, principalmente, viagens no tempo.
Sentado na poltrona de seu apartamento mineiro, onde recebeu a reportagem da Folha, Arnaldo vai desfiando teorias ao mesmo tempo em que fuma um cigarro. Descreve cada uma delas e cita na sequência algum estudo científico que possa lhe dar a devida sustentação.
"Para o futuro a gente só pode ir se for criogenizado, que é uma espécie de hibernação em que a pessoa fica em estado de estase, com o organismo funcionando mas sem ter consciência", diz. "Mas para o passado é mais fácil viajar. Basta ultrapassar a velocidade da luz. Dá pra ir pra onde quiser: milhões de anos atrás, ou cem anos, ou um dia."
O mais curioso da conversa é que, se tal tecnologia estivesse de fato disponível, Arnaldo não faria uso dela. O artista garante que seu melhor tempo é hoje. E que uma viagem ao passado, aos tempos dourados dos Muntantes, não seria um programa tão interessante assim.
Não é para menos. Só agora Arnaldo começa a receber, na prática, o devido reconhecimento pelos serviços prestados à música brasileira -contabilizados no premiado documentário "Loki - Arnaldo Baptista", que estreia hoje nos cinemas.
O filme foi exibido em festivais e teve aprovação incondicional do público. Adolescentes e marmanjos saíram das sessões aos prantos, igualmente enlouquecidos com as histórias de Arnaldo. Isso depois de terem aplaudido de pé por, no mínimo, cinco minutos.
Na atual fase de divulgação do documentário, Arnaldo assistiu sua vida recriada na tela "umas dez vezes". Esse processo quase psicanalítico o modificou de maneira profunda, a ponto de ter redimensionado fatos tidos como certos em sua própria memória.
Um exemplo: há cerca de três anos, assumiu que tinha sido mesmo o responsável pela histórica expulsão de Rita Lee dos Mutantes, em 1972. Agora, depois de ver isso desmentido no cinema tantas vezes, voltou atrás na afirmação.
"No filme, o Liminha e o Dinho [baixista e baterista originais dos Mutantes] lembraram que foi a Rita que pediu para sair. Isso estava nebuloso na minha memória, mas eles reativaram", diz. "Acho que fiquei confuso porque mandei ela embora da banda uma outra vez, num show do Maracanãzinho. Foi uma atitude [tomada] em momento de emoção, mas ela levou adiante."
Ele próprio sairia dos Mutantes mais duas vezes. Em 1973, rumo à carreira solo. E, de novo, em 2007 -um ano e meio depois de a banda ter voltado à ativa, com Zélia Duncan na vaga deixada por Rita Lee.
Os principais motivos dessa segunda separação, ele diz, foram técnicos. "Nenhum show dos Mutantes me satisfez porque as guitarras não eram Gibson e os amplificadores não eram à válvula", resume. "A Terra é tão grande, tem tantas coisas que os Mutantes ainda não fizeram... Espero alcançar o que falta agora, sozinho."
Ele já prepara seu "próximo LP", como diz. Tem "umas três" músicas prontas, mas já escreveu as outras oito que considera necessárias para completar o trabalho.
"Às vezes, gravo duas faixas em poucas horas. Mas tem dias em que o talento está lento e fico semanas sem fazer nada", diz. "Estou com o gravador em casa. É só organizar o ritmo das coisas e fazer tudo no meu tempo. Pode crer."


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