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CRÍTICA ROMANCE
Livro recria o início doido de Brasília
"Cidade Livre", de João Almino, narra em tom de epopeia construção no ermo goiano
RONALDO COSTA COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Cidade Livre" impressiona. O escritor João Almino liberta-se da diplomacia, arregaça as mangas e usa história
e imaginação para contar o
Brasil real suando, vibrando,
sofrendo e sonhando na extenuante e impressionante
epopeia de fazer tudo no nada do ermo goiano.
Hoje Núcleo Bandeirante,
cidade-satélite de Brasília, a
pioneiríssima Cidade Livre
foi esteio da construção da
capital no governo Juscelino
Kubitschek (1956-1961).
Quinto título do autor sobre o universo brasiliense,
"Cidade Livre" é bem idealizado e bem escrito.
Quase dá para ver o vaivém dos fundadores. Apressados, aproveitadores, idealistas, políticos, barnabés,
comerciantes de quase tudo.
Com sorte, descobrir o irrequieto presidente JK e o enérgico engenheiro-chefe Israel
Pinheiro, de terno e gravata,
surradas xicarazinhas esmaltadas na mão, tomando café
de coador de pano com os
candangos.
NIEMEYER BEBERICA
E o musculoso gigante carioca Bernardo Sayão, jeitão
de menino, pioneiro e herói,
ídolo da candangada, inspiração das mulheres dali e de
outras lonjuras.
Sempre animadíssimo, camisa e calça largas, pisando
forte com suas botas comando nas ruas de terra, de muita
poeira vermelha ou barro.
Comandando, motivando,
orientando a todos, distribuindo alegria, confiança e
esperança.
Ou então, na noite alta, de
céu deslumbrante, o jovem
arquiteto Oscar Niemeyer à
mesa do tosco Olga's Bar, bebericando com amigos, fumando cigarrilhas, olhando
a gente humilde com ternura
imensa e respeito máximo.
Quem sabe até tocando
seu esperto cavaquinho ou
cantando com Tom Jobim e
Vinicius de Moraes, hóspedes de Juscelino no Catetinho, palácio de tábuas, onde
compuseram a bela Sinfonia
da Alvorada.
Indispensável e saudoso
Olga's Bar, referência do doido princípio naquele cafundó. Bares, pensões, hotéis,
cabarés. Todos construídos
de madeira, boa parte de propósitos múltiplos.
Aspas para João Almino:
"Papai me contou que um
dos negócios mais lucrativos
da Cidade Livre era o dos bordéis, onde nos fins de semana e nas horas livres os operários gastavam o dinheiro
ganho com as excessivas horas de trabalho".
HISTÓRIA VIVA
"Cidade Livre" reafirma
João Almino como romancista de Brasília, mas ele é bem
mais.
O mestre Moacyr Scliar
tem razão: "Entre os melhores autores de nosso país. O
Brasil está resumido em suas
páginas".
Ficção envolvente sobre
história viva.
O leitor, progressivamente
seduzido, acaba tragado pela
engenhosa armadilha urdida
pelo pseudocronista da capital, descobriu a escritora e
professora de literatura da
USP Walnice Nogueira Galvão. Ela sabe das coisas.
RONALDO COSTA COUTO é escritor e
economista, autor de "Brasília Kubitschek
de Oliveira" (Record)
CIDADE LIVRE
AUTOR João Almino
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (240 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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